18.6.23

Teso

A gente fica louco para existir, exigir.
Elixir da vida etérea? Séria! Seria cerne não fosse beira. 
Abrimos abismos. 
Ato tétrico de íntegras parcelas. 
Selas. Trote triste. Prejudico meu ciático. 
Se átomo fôssemos, de vazios precisaríamos.

Caindo eternamente no grave baile da gravidade.
Greve dos sentidos. Tateio. Rateio.

Meça peça por peça a desorientação. 
Teso tesão. Tensão. Péso. Peso de porta entreaberta. 
Minha fala cessa, acesa. 
Acessa a falta.

5.11.21

Xiru

A ocultação do ancestral
Verde, azul, amarelo,
"Domínio e Progresso".
Processo anti-natural
Que reprime, que represa,
Que minera os ossos da gente

É possível outros modos de vida

Demônio é apenas outro nome dado a um deus que não entendemos.

No meio do rio,
remo de bambu.
Crianças nas canoas
riem do rio.

É possível outras possibilidades de terra,
de convivência.

O sufocamento desfigurou,
mas não venceu.

Arde a história do Brasil e seu povo
ainda não contada.

Aldeias evoluem
apesar de condenadas 
presas a um passado

A cidade engole
com sua fina etiqueta social civilizatória,
usando os talheres corretos
para cada montanha.

31.5.21

RAP : RITMO E POESIA

Nem tão seco
Nem tão pó
Nem tão cedo
Nem tampouco

Ouso: ouço o osso.

Um estampilho,
um pipoco!
Tampa de panela
encobrindo teu privado esgoto.

Árdua carga,
Pra onde vai tua descarga?

Criando alavancas pro abandono.
Cultura do cão com dono,
do limitar o próprio sonho.

Terceirizar a atitude.
Chame um messias:
"alguém acude!
meu livre-arbítrio é um açude"

O que me impede, o que me ilude
É combustível inflamável
Qualquer paixão, qualquer faísca, 
Desejo amável
Já me atiça.

Terreno incerto torto
É bom pra guia.
Neste terreno eu sou turista
Que se encanta: a nova vista.
Passado futurista.

Corpo ardente
febre desconhecida
Mesmo doente
Corpo que revida à vida

Resistência ou teimosia?
Nada se sabe dessa sorte.
Amanheço forte
pra enfraquecer o dia.

6.5.21

A lua cheia alterou minha maré
Súbito desencanto
Gozo invertido, 
ejaculação de moléculas novas
que abrigam os trajetos desconhecidos,
que me forçam a ser outro, 
que me encerra por dentro sob um bom disfarce por fora. 

Sou isso. Esse fluido escorrendo pelos novos encanamentos. 

Como continuar
se me rompi?

Chama


Até ontem nos chamávamos de Amor.
Palavra
que mais expressava hábito que sentimento.
Amor usado como substantivo,
nome paliativo,que em público
ganha tonalidades de pronome possessivo.

Amor. Palavra por impulso, sem ato reflexivo.
Resquícios das últimas usuais relações.

Fetiche da carência.
Casamento novo, apelido antigo.
Já tanto usado, renovado,
lavado e enxaguado.
Roupa desgastada. Tecido velho desfiado.

Banalizado. Palavra vazia.

Até ontem nos chamávamos.
Hoje nada.
Hoje não há palavra para nós.
O que era "Mô" virou Silêncio.
Virou.

Agora já não chamo.
Não faço uso dessa palavra.

Já não sou chamada.
Anseio atenta, na madrugada,
tarde vazia noite enrugada
manhãs solitárias
Que venha o próximo rumor
Para que eu o chame de amor
Para dar pendor
à palavra vazia

Amor:
me convença, pois a carência
já antecipa meu perdão
Fale de novo, faça juras em meu colchão
Que o eterno passa rápido demais

Meu mês

Que delícia de convite
Não hesite em refazê-lo
O que com zêlo se permite
Fazendo eterno o passageiro 

Em que leveza se consiste
dar fruição ao corpo enfermo?
Se até gotejo vira estalactite
Em bela escultura do artesão Tempo 

O comum? Não é que eu evite.
Atraio-me mais por inventar um termo
Em que o tesão não se divide
E nem se separa do sossego 

Então pergunto: Por que insiste
em repetir o destempero?
Pois este Novo mal existe
E já esquentou meu mês inteiro

13.11.20

Em tempestade de gotas atravessadas
eu abro a boca pra engolir a sede
Fecho os olhos pra aflorar o toque
deixar que as possibilidades aconteçam 
E não faço do meu umbigo o centro da chuva

Já há
muito impulso impedido
muita culpa compartilhada
Os desejos vêm sem nome
As entregas com direção

Na tempestade nada se vê, 
confundem-se trajetos, 
curvas dão em morros.
Fugindo das luzes,
dos sons

Pego a estrada que me contagia. 
Fluo, descalço, com os pés ardendo.

Farelos

Em todas as vezes em que me senti tolete, dando aos ares fétida sensação de autodesprezo, fui eu que me dirigi por essas vias Agora, nas outras em que fui contemplado, ganhando o dia fértil sensação de primazia, foi você quem me levou a tal lugar. Conduzo-me por insistências tortas, imprecisas. Mas é dar minhas mãos às suas que me cego ao primeiro entrelaçar de dedos. Falseio o próximo passo pesquisando no ar sua indicação. medito o escuro, ouço a paisagem, sinto a pele áspera ser lixada pelo vento. O trajeto é prazer com calafrio. A queda só acontece ao despir da venda. O destino novo após caminho; O local ao qual fui entregue, é o mesmo! O mesmo caro leitor. Será mesmo que andamos ou foi sedutora descrição de sonhos feita ao pé do ouvido? Ao menos um, dois passos? Tenho certeza que nos movemos, que houve ação. Não estou louco! E pela duração do passeio, afirmo que houveram passos! Sim, saímos do local de início. Mas como é possível ser entregue no mesmo ponto em que houve a partida? Andar em círculos? Não! Eu tenho labirintite, facilmente eu perceberia. Então o quê? E como explicar o cansaço? O suor? As lembranças? Para o próximo convite, jogarei farelos de pão para criar rastro.


9.9.20

Espaço

Procuro a distância

O intervalo sem notícias

Um silêncio, um respiro, uma pausa.

 

Preciso mudar os finais dos meus sonhos

Quando a cabeça

prestes a emergir do imaginário

inclui as ideias que passo o dia a apagar

E a qualquer sinal de distração

Surge o insistente sentimento

feito um fantasma rondando

 

O Tempo já passou para nós

O que me incomoda é o Espaço

 

Presença física, material, sensorial,

de falas, olhares, toques apertados,

das mesmas bocas se encarando.

 

São tijolos erguendo-se,

murando o caminho livre.

Escapo por infiltração.

 

Na ânsia por desfecho

cansei de ser gotejo.

Quero fluir sem represamento

 

Evitar a presença, o físico

Optar pelo vão, pelo vazio

Desejar o Espaço

e contemplar o que não se pode ver

Distância escura entre as estrelas e os planetas

 

Pretendo novas gravidades para orbitar

18.6.20

CUIDADO! ATENÇÃO! SENTIDO!

O sentimento foi dividido e promovido ao campo das ideias.
Mas chegou a tal posto sem comprovação de diploma.
Separado do corpo, trabalha à paisana, passando-se por pensamento.
Não é!

O sentimento é visceral, é sensação.
Ele dá no corpo, dá no peito, 
dá angina, dá azia, dá refluxo. 
Afrouxa as pernas.
Dá consequências físicas.

Como educar o sentir?
Algo tão primitivo, tão profundo e íntimo.
É como tentar reeducar as células para que elas não deem câncer.

O resíduo que o seu corpo deixou no meu corpo
Espreita-me até em casa.

Se tu és constante mudança
Eu amo a pessoa de ontem?

E como posso ser credor do seu afeto
Se não lhe contei o que se passou na penúltima madrugada?

Mas as estrelas, fantasmas cósmicos,
Não são menos contempláveis por serem passado.

Enxergamos a luz de distantes corpos 
que talvez já não existam
e, ainda assim, emocionamo-nos.

A natureza é econômica.
Então, num reflexo irrefletido, repito
fazendo uma reedição dos acordos afetivos 
dos meus pais e seus ancestrais. 

Apostando todo o meu vazio num único ser.
Tornando você uma extensão inseparável de mim.

Sou mamífero desmamado,
rompido, jogado no mundo, 
inseguro, abandonado, 
buscando, sem criatividade, preencher grande buraco.

Viver longe dos palcos,
sem vestir personagens,
faz com que eu me revisite diariamente, sem pausa,
sem rotina que distraia, sem descanso.

Persigo ideal alheio e antigo,
que me foi herdado,
já ultrapassado,
então: 
pra onde eu sigo?
Se o instinto inevitável,
inconsciente, irrefreável,
leva-me as mais sinceras emoções?

1.6.20

Rua de Cima

Lá na Rua de Cima é a rua onde tudo passa. Se você quiser ir a algum lugar é certo que passe por lá. 

Aqui em baixo, no descampado, ainda não levantaram tantas moradias, mas está ficando cheio. Antes havia apenas uma quadrinha de futsal com tabelas de basquete sem as cestas, roubadas. Hoje sobrou ainda uma das traves. 
À tarde os meninos soltavam pipa mirando incansavelmente o céu, mal percebiam as crianças de bicicleta que quase raspavam seus pés testando novas curvas ante as latas de linha no chão.
Agora à noite, tem duas fogueiras e uma corrente de frio que venta gelando a nuca. Pessoas que passavam desviam seu destino para ficar perto da fogueira. Suspender um pouco. Unindo-se ao fogo, abrem um silêncio contemplativo. O olhar penetra, imóvel. No ouvido os estalos da madeira e alguma música negra jamaicana tocando.

Fora o corpo já todo coberto contra a noite fria, as máscaras fazem um novo papel: a respiração abafada esquenta o rosto. Com este novo item escondendo a boca, os olhos estão dialogando muito mais. O mais tímido dos órgãos agora encara. Fixos e vivos numa conversa particular, de língua própria. Assim se passara no caixa da padaria antes que eu me influenciasse pela fogueira. Os olhos dela eram muito claros. Duma cor assombrosa. Os meus? Eram míopes, pouca informação consentiam. Não fora um diálogo muito justo. Houve um encantamento versus meus óculos diminuindo o tamanho dos olhos.  A máscara fornecia calor mas embaçava as lentes. Sinto que olhos assim não estão alfabetizados nessa nova comunicação de boca vedada.

Dificultou a comunicação no caixa e atrapalhou-me todo no trajeto até a padoca. A sorte é que não tinha ainda escurecido completamente. O céu continha uma coloração amarela. Não era o costumeiro alaranjado do fim do dia. Hoje estava amarelo e negro. A Rua Lá de Cima possui uma vista agradável quando o dia afrouxa a claridade anunciando a noite. Entrega-nos um cenário que escurece as casas e ressalta seus contornos no horizonte. É quando a pobreza ofusca e escapa do pensamento. Os olhos miram sem pensar em nada. Flutua de sua época. Exercita um cidadão do mundo, do lugar-nenhum, que compartilha o comum contemplando o eterno. Cores interrompem cores. Um piscante azul e vermelho vibra nos muros.

Na mesma rua, alguns policiais observavam o descampado lá embaixo. De cima, além do entardecer, dá para ver a entrada da lojinha. Traçavam um plano? Conversavam, apontavam. Conspiravam para minha segurança? Ou erámos o alvo? Seus olhares percorreram-me lentamente numa fração de segundo e seus olhos faziam as mesmas perguntas. Estranha a sensação de passar em frente a um símbolo de proteção e sentir-me, na verdade, ameaçado. A polícia olha a favela e a Favela olha de volta à Polícia. O surgimento da autoridade em meio pobre parece sempre ter o intuito - e o direito - de se fazer obedecer. Uma violência autorizada, canalizada e direcionada. Incendeia um alerta em todos da rua. Condicionados à passividade, seguimos já sem a beleza das cores celestes. Namoro interrompido pelo vigor que vigiava. 

O olhar se voltava ao chão e capturava pensamentos frívolos. O reflexo do carro refletindo a crescente barriga que engordava. Um saco de lixo apoiado na árvore ao invés de um poste a poucos metros. “Escorar lixo na árvore ao invés do poste? O que pensa a árvore de nós? O poste com toda certeza não se importaria”.  O rosto coçava, desde que eu saíra de casa e sempre que eu lembrava de que não o poderia coçar. Relembrava todos os lugares que eu havia tocado. Chaves, portão, bolso, botão para entrar na padaria, comanda, saco de pão, cartão, sacola e álcool em gel.  Da Rua de Cima pro descampando pra minha casa tem dezenas de degraus. Quando subi ainda era dia claro, agora mal os vejo em seus diferentes tamanhos. De súbito uma desconfiança. Uma maluquice se disse saudável: “Será que esbarrei no corrimão com o pulso? ”. A solução repetida retorna, mais álcool em gel nas mãos. “Deve ser melhor passar nos braços”. Lambuzo também as chaves e levo-a nas mãos até a entrada de casa. 
Despeço-me do mundo - refúgio invertido - e volto para as minhas paredes. Já estou íntimo delas. Memorizei cada pequeno fragmento decadente de ruína. Ela, de tão fixa, já deve ter me decorado. A mesma coisa todo dia a mesma coisa. Numa ânsia, rapidamente esqueço das nuanças. Nuâncias. Nú. Hoje está frio. De novo.

10.5.20

Investi identidade em profissão
Fiz de ação definição
Meu frágil alicerce

Agora economizo meu perfume
Enquanto preparo-me para declamar amor digitado
Um flerte virtual sem pretensão de toque

Prendi-me em liberdade
Perdi-me em liberdade
Pendido num humor de pêndulo

Turbulentos relacionamentos
Permitiram que eu me abrisse

Agora, um ser aberto
Para ficar trancado
São e salvo

27.2.20

Uni versos

Agora minhas manhãs viraram tribunal de mim.
Surpreende-me o horário. Não imaginava que  os juízes começassem tão cedo.

Talvez meus sonhos me analisem.

Talvez tentem dizer algo.
Mas todas suas palavras são usadas contra mim nesta corte matinal.

Acusam-me de: VAZIO.

Há um vazio enorme em mim.
Não é abismo que permite queda.
Não é carência, vão fútil.

É um novo tipo. 

Um vazio extenso feito para fluir.

Ressoar vida, 
minha partícula-onda compositora de destinos.

Estou tão átomo, tão matéria, petrificado, 

sólido compacto
que só mesmo um ato
de vazio, 
desprezando o artesão atrito,
faz-me conflito
ao buscar meu escorrer.

Num universo expansivo

sou anexado ao mundo;
E estico minha matéria; 
E mantenho 
ampliado 
o meu vazio.

22.3.19

Mar Ilha

aquele tom vermelho escorrendo pela tua pele
não era sangue
era sol, era quente, vinha desejo, vinho, gotejo
era o rápido silêncio contorcendo o estômago,
cogitando o tempo.
Era a paulatina percepção de perpetuidade.

Seus olhos de flecha, miram e penetram. Lançam
fundo, além da pele, do pêlo, da palavra, da crisálida.
seus versos fincam, ficam
sabe-se lá até quando

desconfio de que possui o poder de tornar o momento imperecível
alongando os segundos e suas cores vermelhas
para debaixo da memória, onde quase nada atinge...e, por lá, tu desfilas
parece íntima do imenso, do inesgotável

e eu, cotidianamente comum, empregado às atividades desimportantes,
forjado em metal de má qualidade,
tropeçando com a vida,
esbarro em ser que me choca. explosiona!

Inevitável manter-se ileso diante de assombroso arrebatamento
Vasto mar. Feito ilha.
Triste é o inatingido. Pena tenho do que permanece intacto.

Tua existência transbordante que me tinge as vestes, tecido da alma,
Trouxe cores que me deleito em observar.

Faz dos encontros esmerados quadros emoldurados na parede do lembrar.


3.4.18

Out Ônus

Cansado de mirar aquele vão
tão íntimo e rotineiro.
Exausto pelo convívio, por sua
maior parte o reduzir, corroê-lo.

Exercita o pensamento do outro,
confia ao alheio sua própria estima.
Dependente de momentos que lhe valham,
saciando a fome com migalhas.

Na madrugada aflita, calcula 
seus limites em tempos de mudanças.

A sua força vem de rebaixar-se?
De suportar-se pequeno e
portar-se como grande 
num jogo ridículo de aparências?
O teu afeto se demonstra em sua
capacidade de ser submisso?

O comodismo esconde certa imaturidade.

Andar em círculos atrai
quem não conhece outro caminho.

21.2.18

Enquanto o rio condensa
e flui menos depressa, 
parece arrastar meus minutos em sua espessa gama vagarosa.

Não há profundidade alcançada
nem tampouco gera firmeza 
que permita o suporte dos pés.

Então este rio é visual, virtual,
cheio de futuros,
de maravilhosas mudanças advindas da espera.
Que diante dos olhos presentes, desfila
com sua suntuosa e pavorosa grandiosidade

Mas os olhos que assistem são acompanhados dum corpo que os carregam 
Estes olhos miram tudo ao redor 
e apesar do colossal rio que ganhara espaço nos últimos tempos,
avista outras oportunidades de banho, de refúgio, de contemplação, de vida.

A identidade mora no desejo
e desejo estancado
é vida ávida que avisa.
O corpo necessita banhar-se.

Qual o rio que o convida?

7.1.18

Rio que muda

Quando as preocupações te encontram
Esvaem-se,
escorrem feito água corrente
A frente empoçam-se belas incertezas que convidam a submergir

Afundo e, sem abrir os olhos, 
ressalto qualquer tipo de sensibilidade
No fundo é que me encontro
No raso não cabem minhas largas braçadas
Tenho mais fôlego do que o raso pode suportar

Quanto mais me aprofundo em mim
menos enxergo e mais sinto. 
Esbarro num novo eu

Mas o fundo aperta o peito, incomoda,
faz força pra subir
como se o corpo pedisse para novamente
respirar o mais-do-mesmo,  
repetir um exato enredo,
repelir o desconhecido que atrai.

Expando meus pulmões para caber mais vida
Quero-me mesmo é incompleto,
para fazer dos vazios profundidade,
E saber que pouca dosagem é bobagem
Quando se quer ser 
ao invés de estar.

4.12.17

Abrir Parênteses

Saímos. 
E partimos pra onde?

Sem alvo a gente se projeta.
Sem alvo a gente se protege.
Cuidando do instante
Cultuando o durante
Costurando os desejos, nossos remendos.

Sem destino para não enxergar onde daremos.

Este nosso elã, dosado
para evitar perdições,
mas feito tecido que envolve, 
move, absorve, absolve;
Transmuta tolices:
faz um boteco da igrejinha,
da espera-na-fila um grande circo,
do tatame um espaço pra risos.

Altera o meu domínio
Enquanto os corpos interagem 
no improviso, espécie de descoberta 
de um outro tipo de comunicação.

E como falam bem os nossos corpos.

Tateiam o inevitável impulso,
aprendendo este novo idioma. Conversa sinestésica.
Som traduzido em Gosto traduzido em Cheiro
Transa de ideias.
Trama não encerrada no gozo.

Espécie de paixão que é privilégio pra memória
Que tinge o depois
sem tanger o futuro.
Que se perpetua no presente.
Que me acompanha nos melhores pensamentos.
Que gosta de estar.

Que fica e finca.

27.10.17

Paixão. Este novo tipo de crime
Passam. Passion. Paixão.
Crime mútuo entre os envolvidos
Paixão. Passion. Passam.

Então há culpa no sentir?
ou há culpa em querer sentir?
Vejo o desejo botar a ética pra dormir
para provar da solitude; da plenitude.

Nesses jogos conjugais
já assumi todos os papéis
E após tantas temporadas em cartaz,
revezando-me entre todos eles,
escolho o quem mais gosto-de-não-ser, para também
ser um pouco do meu oposto.

pois o hoje de ser eu,
as 3h da tarde no universo,
já não me cabe como sempre.

Crias um roteiro, um rodeio? Enaltece orgulhos,
garimpa belezas e lapida nas descrições.
Vence sempre pela carência.
De ambos

14.8.17

Do árabe: Miskin

Anti atalho, sou o quanto falo
sou o ato falho 
e exibo o talo 
do meus pensamentos.

Ante o trago, eu travo
e grato, 
não tardo se eu não trago.

Se há troça na troca,
escapa o teu trato no tato.

Certezas me cerceiam
tanto quanto
dizeres me desnudam.

11.8.17

Gosto

Saboreio o infinito
percorrendo seu sabor por toda a boca.

Deixando que a tome o expansivo amargo
que possui todas as recentes e boas bebidas.

Aquelas que modificam a textura do palato.
Provo das menores picâncias.

Como para não sanar. Apeteço com o infinito 
sem abrir mão das volumosas guarnições temporais.

É como provar da bebida cara, rara,
que após tantos anos guardada, provoca 
o estupor que sempre lhe coubera.

Desengarrafo-me.
Tim-Tim!

11.6.17

Ator do Ato

Sobem ao palco os atores. O enredo é desconhecido do público. É noite de estréia!
De imediato, percebe-se que o elenco jamais contracenara junto. Uma espécie de amadorismo deixava a todos da platéia com aguçada atenção. Até as pausas para respiração eram interpretadas, mas não era possível saber se os detalhes estavam ensaiados ou eram gestos distraídos. A peça realmente confundia os ansiosos por desfecho.

No segundo ato a iluminação contribuiu para o mesmo. Aquela que parecia a personagem principal era muito mal iluminada para tal. Ficava muito na penumbra. Seu ombro era mais visível que as expressões faciais. As luzes acendiam e apagavam, direcionando os olhares e permitindo que se entendesse o que quisesse, o que causava ainda mais confusão. Não houve diálogos. O único som que se ouvia era um pequeno estalo dos interruptores ao fundo, que faziam atores e atrizes sumirem e surgirem. E quando a vista já cansava por tamanha movimentação dos olhos: Escuro!

Uma voz no centro do palco anunciou “Sou EU! quem ela quer”. Outras vozes responderam após um pequeno intervalo “E o que você quer?” “Por ainda não saber, quero que ela não queira”. A confusão no enredo se desenrolava sem nenhum constrangimento, mas aquela cena no escuro - ou a falta dela - dava a impressão de falha técnica. Um cheiro de borracha queimada invadia as últimas fileiras.
Mas era bem possível que aquela coisa mal arranjada fosse ensaiada. Quem é que sabe?! Um novo estrondo no interruptor fez acender apenas uma luz, iluminando o local de onde saíra a voz. Não havia ninguém. Um tablado iluminado encerrou o ato.

O restante do espetáculo prosseguiu com essa precária iluminação. Os atores, talvez para disfarçar atuações, davam o texto no escuro. Era uma peça ousada que não se sabia bem se chegaria onde desejava.
A partir do terceiro ato aumentava a vontade de abandonar as tentativas de entendimento e de curiosidade sobre o resultado daquilo tudo, a poltrona parecia não se encaixar mais nas costas, aquele breu sufocava os sentidos. Faltava autenticidade na volúpia e veracidade no desejo. Faltava convencimento nas palavras ditas e coragem para os atores. Faltavam peças para entender e sobrava vontade.

Os portões da rua irromperam trazendo ar aos pulmões. A peça seguia com cada vez menos público. Sobraria algum ao final? Poderia algum ator descer e passar-se por platéia por necessidade de preencher cadeiras, por necessidade de espetacularizar o íntimo, por trazer notoriedade ao banal? Jamais saberei. A rua me atraiu por ser inteligível. Desejava tatear o prático.
O fim do espetáculo sucedeu sem que eu o presenciasse. O meu entremeio prosseguiu sob leve interferência daquele enredo. Com um novo incômodo como herança, um pensamento de fundo, constante e discreto, que já me direcionava mesmo que não percebesse.
Espécie de sorte que randomiza o juízo para reinventar a ética que absolve futuras e inevitáveis escolhas.


14.5.17

Desejo

Pretensões exasperam. Asperam o agora.
Não esperam.
Projetar e desejar é consentir que o hoje escape.
É como não aproveitar o que está posto,
é como dispensar a janta pela sobremesa estando com fome.

O paraíso é horizonte que nos persegue.

Eis um conselho antigo sobre o futuro:
“Abra mão do hoje pelo depois. O futuro: O que importa!
Esta vida é passagem,
faça dela uma porta de entrada para o reino-dos-céus
lugar onde não haverá sofrimento e nem dor.”
Desconfio.
Onde não há dor nem sofrimento, haverá espaço para amar?

Com quem desejou estar hoje?
Pretender nos toma o presente.
O futuro é um adorno do real.

O desejo só é desejo se inalcançável?

19.2.17

Cortéja

Penso diferente de você 
e isto nos difere. Não deveria ferir

Edifiquei-me mirando sempre o que eu ainda não era 
Sou eterna continuidade díspar de mim

Acolho as discordâncias para crescer
Transformar é criar, é romper com os moldes
É arte

E refletir com erros é permitir que outros sejam diferentes
É necessário que alguém pense diferente de mim

30.1.17

Retinta

O grave retinto marca, anuncia
o repique repelique dos tambores, dos prazeres, dos gingados
é cor, é suor, é destino, é raça, é ode
é onde desaguam, desatam tantos dizeres
é quando o corpo cala o mundo para poder dançar

Energia vital e retumbante
que transforma tudo em corrente, atraente
beleza negra, fértil e intocada em respeito às liberdades
a menina sambou leve feito o vento
abandonou seus abandonos e sorriu
quis ser levada como nada
e acolhida como única, que és
beleza que não se encerra, que vela a madrugada
que me desperta pela manhã, que fica na memória como retina queimada pela luz
em tudo se reflete
e agora toda besteira é desculpa para abrir um riso
há um riso em todo canto

O dia clareou e a harmonia do samba continua a soar, a rebater, a  sacudir o novo rumo ao pretensioso inesperado

10.1.17

Barra

O verde-mastro dos galhos abriga vidas escaldantes.
Dias em fornalhas, fermentando fornalhas
ou cede ou foge.
Enquanto o vento quente rasga abrindo sulcos, forçando 
o morno a ferver
o sério a embriagar,
o clérigo a endiabrar
e o esquivo a acontecer.

Não há meio-termo com tanto calor.
A flor da pele escorre o mel.
Os olhos belos escondem tantos futuros.

Tomar o breu do céu 
como quem aprecia seu ébrio teor no fundo da boca, sem pressa.
Ondas que colidem, que harmonizam. 
Perpetuam intensidades. Guardado 
onde a memória não é precisa, pois não é preciso.

Peito carregado de escárnios, escarro!
Respiração fraudulenta,
exausta por tentar afrouxar tantos ideias.
onde, por tamanha simplicidade, não sobem bandeiras.
Certeira e desconexa realidade.

Apreciando o absurdo, o inexato,deparei-me com a origem.
Cais de difícil acesso, de retorno arredio
mas de natureza estonteante, 
ameaçadoramente imensa
e involuntariamente convidativa.

Fuga

Os beijos bons 
não fazem do ereto projeções.

O rijo tem prazo, tem instantes para acontecer.

Cabem muito mais loucuras num olhar quase desvendado?

Fui traído pela minha liberdade.

5.10.16

Inédito

Não há como ser repetição
nem o vento, nem o rio
nem o choro, o motivo
o embarque fugidio
o espesso dia esquivo
Nada.
Mesmo a rotina acumulada
é somada sem interrupção.

É inédito o que não se renova.

Energia viva latejante
que tinge, que tange
que açoita as bestas para que andem
célere rastro assoreando os passos
que traga meus tropeços
Engolido vida adentro
Atento assento o equilíbrio
Brio.


Fico urgente de acerto.

21.9.16

És passos

Passos fundos...
Olhos desatentos que não miram.
Onde estaria aquela mente?Advogando a existência.

Faixas de pedestres, luzes, pessoas, desvios, barulhos.
Nada a interrompe.

A cabeça está no antes,
no interveio, no posto-póstumo.
Está onde não se conserta,
onde só se observa.

Fazendo juízo das palavras ditas em grandes quantidades,
dos excessos de existência,
das intensidades que derramaram em público,
que invadiram com voz o que poderia ser silêncio.

Estamos destinados a caber e vazar?
Possuímos uma fatal liberdade para invadir o espaço de existência d'outro ser.

A mente fluindo no topo de um corpo,
guiando sem esmero a massa que atrapalha os transeuntes.
Caminham no sentido do abandono. Da exclusão.

Problematizações cansam.
É preciso ser oco alguns dias da semana.

O convívio pede padrão.
Transbordo.
Atravesso.

13.7.16

Exposição

Ahh... essas paixões inventadas...
feita de traços grosseiros.

Não sei se são obras de Van Gogh, 
pintadas à mão pesada com pinceladas grotescas 
ou se quadros de Monet
que é preciso espremer os olhos ou afastar-se
para vê-las

Vida vazia vadia valia varia 

os olhos secos pedem arte
querem poesia nos estômagos
querem colorir ao existir

Aahh... essas paixões mal inventadas...
Que encaixam devaneios e necessidades
feito peças de Lego

Dentre tantos traços grossos 
que nos saltam às vistas,
Dentre quadros valorizados pela moldura,
Abro-me para as paixões.

Mas se eu também estiver condenado
aos mesmos pincéis ásperos
Que ao menos sejam 
paixões surrealistas

27.6.16

Minha cabeça pendurada em um cabide

A ausência que preenche e não nomeia o vazio
não é o que vivi, tampouco o que li
não é excesso, nem abandono do mundo.

Por muito tempo: Convivências;
por pouco solidão.
Por muito peco: Conivência;
E
 nenhum erro é coincidência quando reação à oposição.

Oposto ao ego é angústia
Espécie de voz que sussurra,  que sutura,
que aflige pelo timbre,
que atinge em meio íngreme.

Que nos avisa sobre o outro. Outros. Outras propostas, 
outros caminhos de sucesso. Suscetíveis.

Que me afronta, 
que me informa que o ser
não deveria ser.

Que me atenta às novas modalidades de felicidade.

Eis que a minha felicidade,
de tão frágil, 
desaparece de súbito 
para que eu possa ver além do mundo,
estar contido nele

E me escapa(!) mesmo com uma linda tarde,
com árvores, crianças, crepúsculo, amores 
e enebriante sensação de paz.
Sensação de que o ideal não me completa.

Num bizarro avesso, 

o ideal, diante de mim, contempla:
o inacreditável ser que precisa de mais,
que precisa de tanto
  para tornar-se simples.