30.11.11

Pronto!

Esqueci de responder perguntas simples
Fáceis de serem respondidas

A indecisão é um estado condenado a ser passageiro,
Mas que se aloja por tempo que não se avisa

E agora que tenho a resposta de prontidão
A pergunta desfaleceu

Marcar compasso fora do tempo é uma das aptidões da vida
Outra é ser desprovida de anuência.

14.10.11

Zelo

Enquanto escondo-me
Torço para que me procurem
Recuso convites ainda não feitos
Permeio por meio de repulsas

E quanto ao vento
Que se aproveita do seu cheiro
Que se espreme entre nós
Completa o não preenchido
Contempla suas formas
Torna complectível a atmosfera

Bate brisa! Traga-me o perfume:
E num só ato, o hausto me fez alto.
Ébrio e sedento,
Febril e sedante,

Cedo, cederei ao seu perfunctório perfume.
Antes que seja tarde
Antes que chegue à tarde.

3.10.11

In Diz Gestão

Tranquei-a e engoli a chave.
Traquéia. Encobrindo achados.
Metal rasga goela abaixo.

Esôfago, sulcos: Lâmina hospedeira.
Estômago, suco: Omissões corroídas.
Palavras escondidas criam sua casa. Tumor.

Mais fácil seria engolir apenas o segredo.

29.9.11

Insônia

E mais uma noite com o mesmo problema. Insisto; persisto; viro de lado; reviro. O tempo caçoa de mim. Ri e troça. Tortura-me sem prazer nenhum. Me dita o tempo. O tempo medita: Um tento, dois tentos. Tento diversas posições enquanto o tempo escorre; travesseiros acima e abaixo da cabeça; entre as pernas. Descubro-me: faz muito calor nestas noites. Por fim desisto e novamente assumo que não venho tendo boas madrugadas de sono. Sem me levantar da cama, estico o braço e alcanço o controle sob o criado-mudo. Deslizo os dedos sob o objeto e com admirável talento no tato encontro o botão que me liga para a televisão. Passo, repasso e pulo os canais. Nas horas em que é preciso nunca se passa um bom programa na TV. Não sei se é o horário ou o dia da semana, se é o acaso ou meu plano de assinatura; sei que encontrei no máximo um filme bom dentre as outras reles opções. Mas não acordei para isso. Não sei nem qual o motivo de’u acordar justo agora!

Dúvidas pontiagudas me fazem sentir uma latejante dor-de-cabeça junto com um crescente mau humor que a faz aumentar pouco-a-pouco. Já estou cansado demais para filmes e mais cansado ainda para filmes hollywoodianos e seus efeitos especiais que não tornam o filme especial. Prefiro diálogos às cenas explosivas. Desisto da televisão. Há noites em que ela serve somente para iluminar meu quarto à meia-luz. Esta foi a função que mais utilizei nos últimos dias. Evito acender as luzes pelo incômodo que trará aos meus olhos, por isso deixo a TV ligada; quase sem som. Ela traz um tom quase azulado ao meu quarto e uma estranha sensação de que não estou sozinho. Acredito não haver desperdício em deixa-la ligada dessa forma, pois já tentei permanecer com ela desligada: a solidão foi iminente.

A pouca luz não me incomoda. Agrada-me andar pelo quarto quase escuro. Lembrar-me disso despertou-me por completo. Levanto e, como de costume nessas noites, aproximo-me da enorme e única janela que há em meu quarto. Sento-me na cadeira que há três dias está intocada. Não a movo dali porque minhas insônias estão cada vez mais frequentes e meu passatempo favorito nestas horas da madrugada é sentar-me nela e espiar o que se passa lá fora a três andares dos meus pés. Observo a erma rua pacientemente. O silêncio prevalece. Coisas ínfimas - tosse, passos, espreguiço – causam estrondos na madrugada. Engana-se quem pensa que o tédio impera nesses momentos. De fato, às vezes se esgotam as ideias, mas em quase todo o tempo os pensamentos se atropelam em minha cabeça. Intensos; Inesgotáveis. Interrompo-os todos quando percebo o surgimento de algum personagem em meu cenário. Fico imóvel como se qualquer movimento meu pudesse afugentá-los. É quase cômico o que se pode observar nestas horas. Existe um misto de medo e desconfiança em quase todos os semblantes. Todos com seus pressupostos criados por conta do horário.

Certa vez observei um senhor bem maltrapilho que caminhava com dificuldade. Decidi atuar junto com ele. Esperei-o alinhar-se comigo e o surpreendi com um curto grito. Devo ter gritado “VAI CARAI !” prolongando as vogais, mas não tenho certeza exata disso. O importante foi o resultado do grito. O senhor olhou rapidamente para todos os lados e avistou alguém que se aproximava por trás. Confuso, correu do jeito que pode até a esquina. De lá seguiu com passos rápidos e irregulares, sentindo a frouxidão de suas pernas causada pelo susto. Aquela cena me alegrou irrisoriamente. Voltei para a cama e sufoquei o riso com o travesseiro por medo de ser identificado por algum vizinho que acordara com o grito. Desliguei a tevê e esforcei-me para não ser notado. Ouvi algumas janelas acima abrindo e fechando logo em seguida. Naquela noite não sofri para voltar a dormir. Pelo contrário. Pareceu-me que o tempo todo estava com um sono insuportável. Mas hoje parece ser diferente.

Poucas foram as vezes em que dominei a insônia. Estou sentado aqui há um bom tempo e nada dos atores subirem ao palco. Mas não tenho pressa. Acabei de voltar da cozinha. Coloquei uma água no fogão para preparar um chá. Ajuda-me a esperar o melhor da noite.

Eis que se inicia o primeiro espetáculo de hoje. Um homem vem discutindo com um cachorro que o segue de perto. O sujeito fala alto; grita. Distingo algumas palavras suas e percebo que está ordenando ao cachorro que se afaste. Usou de todos seus argumentos para convencer o vira-lata e não obteve o mínimo de sucesso. Talvez por isso tenha decidido chutá-lo. O cachorro rolou na calçada até cair na rua. Acredito que o homem sabia que ninguém o observava; Não sofreria julgamentos por aquele ato. Penso que tenha tido realmente a intenção de causar dano ao cachorro. Aquela cena em quase nada me atingiu. Não me causou pena, raiva, alegria ou sentimentos relacionados a impunidade. Somente pensei, por um breve instante, que a ausência de um observador pode aflorar uma parte adormecida de nós.


De onde ele estava conseguiria enxergar-me, mas quase ninguém tem o hábito de atentar-se às paisagens acima de nossas cabeças. Esta noite ele tinha um telespectador e não sabia. A cena continuou. O cachorro, depois da queda, manquitolou de início, mas de supetão avançou nas canelas do homem, mordendo-o por trás. Ali começou o auge da peça. O homem tentava se livrar do vira-lata ao mesmo tempo que pensava em fugir, mas não poderia, o cão já estava anexado pelos dentes. Finalmente, com um movimento bruto, o homem livrou-se do cachorro. - Uma grande luta! - Podia sentir o rosnar dele daqui. O homem passou a respeitá-lo a partir daquele momento. Usou de velhas artimanhas. Ameaçava lançar pedras que fingia colher do chão. O cachorro permanecia imóvel; latindo; espumando vingança.  O homem prosseguiu seu caminho andando de costas, sem desviar o olhar do bicho, sempre de frente para ele que de início o acompanhou, mas o deixou distanciar. Perdi o homem de vista. Passou uma idéia esquisita em minha cabeça, deu-me vontade de ir à rua e adotar o furioso cão. Identifiquei-me com ele. Mas não encontrei a chave da porta e poupei-me do esforço que seria procurá-la. Fechei as cortinas do teatro, preparei o chá e tomei-o deitado na cama. Cozinhei ainda por algum tempo e sem escolha acabei por adormecer. Quando acordar serei eu o ator da vez. Qual será o enredo que ainda nos espera? 

28.9.11

ÁVida

Faz de mim o que bem quiser
Não sente vontades, desejos, remorso
Randomiza os meus planos; atrapalha-os enquanto oferece outros
Nem sequer experimenta o prazer de tamanha autoridade
És ambígua, exata, ardil, viril e decadente
Ganharei a liberdade quando se enjoar de mim
Liberdade escura, tediosa, sem movimentos, sem enlevações; Eterna.

22.9.11

Erro


Atitudes são apenas atitudes,
Ações e nada mais.
Tornam-se errôneas ao fugirem de um modelo de ideal.


Modelo que é criado por um grupo e vários outros grupos coexistem simultaneamente, criando modelos que se opõem aos outros por uma questão de sobrevivência.


Errar, portanto, é fugir de um modelo pré-estipulado.
Errar é conflitar com o absoluto, é opor-se ao molde e aos rótulos. 
É abdicar de um caminho retilíneo em que é certo que se o seguirmos nada de excêntrico acontecerá. Mas traçar caminhos é tão recompensante.

16.9.11

ATLÂNTIDA

Desapareceu ao mergulhar e nadou na direção de onde nada se via. Esforçou-se para ganhar velocidade, mexendo rapidamente as pernas e os braços, e somente quando não pode mais aguentar a pressão que perturbava seus ouvidos largou o corpo e aguardou o seu retorno. 


Tudo era escuro ao seu redor, nada se definia pelos olhos. Algumas vezes sentiu passar algo entre as pernas, agitou-se assustado pelo desconhecido. Não suportava mais aquela água enlamaçada que o incomodava quando mantinha os olhos abertos e, por isso mesmo, resolveu de olhos fechados criar a sua própria paisagem.


 A temperatura da água o impedia de imaginar-se num local quente. Mas, em alguns momentos, esquecia-se que estava submerso. Avistou objetos sem forma, pessoas disformes e em constante movimento. Corpos dançantes. Uma dança ditada pelo ritmo das águas. A definição de paisagem que sua mente criava era particular daquele mergulho. Uma imagem única e irrepetível.

A falta de ar começava a lhe encher os pulmões. Percebia que seu corpo mal se movia e que perdera totalmente a noção da direção que deveria tomar. Tudo era igual, isótropo. Não ouvia mais nada além de seus gritos abafados e não propagados. Estava preso e sabia que ali estava o seu fim. O corpo lutava desesperadamente pela sobrevivência. Sua mente era somente ação. Não mais refletia sobre os problemas iniciais que o levaram a mergulhar até ali. Seu afogamento tornara-se a prioridade dentre os outros incômodos. Cansou de se debater e parou, por alguns instantes, quase inconsciente.

Percebeu um leve arrastar do seu corpo numa determinada direção. Sem tempo para paciência, aproveitou essa oportunidade concedida pela água e nadou na direção indicada. Enxergou um tímido clarão. O feixe de luz indicava que a superfície não tardaria a chegar. Lutava para fugir do refúgio que ele mesmo descobrira. Mas sentia que já era tarde. Não havia mais ar em seu peito, músculos e mente. Exausto, perdera a noção do tempo; não havia mais tempo!; nem o passar do tempo. Não havia mais problemas e não procurava soluções. Só existia ele, o desespero e o improviso.

Emergiu!

15.9.11

INtervalo

Então realmente existe este lugar estreito e imensurável?!
Um lugar vago que enquanto vago é certo que nos traz certa melancolia.
A sorte é que somos muitos. 
E desses muitos sempre existirá alguém para alocarmos.
O problema é a fácil confusão que poderemos fazer: Encontrar alguém que pareça se encaixar perfeitamente neste espaço não é o sumo de encantamento, mas o sentimos como se fosse. 
O engano mora ai.
Locupletar-se de êxtase é possível somente quando não se admite mais nada nesse lugar.
E há pessoas que, sem perceber, deixam vãos.
Aquele que não é cabal é completamente insatisfeito.
Abastecemo-nos com vidas alheias.

6.9.11

SUBMERSIVO

Há algum tempo que me esforço para que os meus dias se encerrem depressa.
O pior de tudo é saber que o dia seguinte será exatamente igual ao dia que agonizo pelo fim.
As mesmas incertezas; as mesmas necessidades.

Existem fraquezas que te tornam mais fracos se expostas.

A ira torna-se veemente com o passar das horas.
Minhas inquietudes transbordam e já não cabem mais em mim.
Exteriorizar esta melancólica submersão torna-se-á, sem dúvida, uma má impressão resultante de uma inevitável reação violenta.
Procuro uma causa para explodir. Preciso dizer injúrias com a boca cheia!

Mas por hora prefiro ficar recluso para que as minhas possíveis atitudes não se tornem uma base futura para acusações de minhas potencialidades.
Não sou assim. Não sempre.

22.8.11

Dias

Têm dias que adio o meu despertar;
Em outros, repousar será um estado de impaciência.

Têm tardes que me empenho para que elas passem depressa;
Já em outras não percebo o chegar da noite.

Há noites que parecem não ter fim
E têm aquelas que se parecem com uma qualquer.

Às vezes torço para que o dia acabe em breve;
Outras vezes, ansioso, quero que ele acabe pelas expectativas do dia seguinte.

O problema é que dia-após-dia o fim acontece.
Dias agradáveis ou aflitivos, proveitosos ou não: eles passam, findam e arrastam-me para esse fim. Um pouco de mim se encerra a cada dia.

Carrego, para os dias que virão, o resumo dos já encerrados.
Ciclos repetitivos e infindáveis, imprevisíveis e óbvios.

A expectativa da não repetição torna-se a energia contida em meus músculos e fazem dos pensamentos matéria tangível.

14.7.11

Sou ou não sou; eis a questão:

Sou uma parte do meu todo.
Essa é a parte que eu insisto em ser.
E quanto à outra parte que eu oculto, e que me pertence, não sou Eu?
E os pensamentos que reprimo para que não virem uma ação? Sou Eu também?

Reflito sobre o desejo de me tornar o que ainda não sou. Esse desejo faz parte dos meus planos; e por hora sou só desejo.
A impressão de viver em eterna transição misturada com a possibilidade d’eu ser o que desejo influencia, consideravelmente, no meu estado atual.
O que não sou, portanto, também é uma parte do todo?

Posso ser somente o que exercito. Posso ser uma mentira, um lugar, um ofício; posso ser Deus ou um personagem qualquer; posso ser verbo ou adjetivo.
A vida nos possibilita certa teatralidade.

Sou as minhas doenças, meus alimentos, o processo de digestão. 
Sou a carne viva, que respira; resfria. Sou o que engulo.

Serei Eu uma soma ou uma equação?
Sou o que os outros dizem e também o que desminto sobre mim.
Sou o que consigo observar nos outros. Sou o que assumo.

27.6.11

Fogueira.


Como és bela; única; agradável.
Como tu flamejas, com uma suntuosidade só sua.
Rouba minha atenção e hipnotiza-me.
Sem escolha, aproximo e estagno-me para te apreciar.
Imóvel, observo sua dança
Cintilante, sensual e provocativa.

Seu desejo por combustão me eleva ao êxtase.
Desejo-te igualmente.
               
Chego mais perto. Aqueço-me.
Encontro abrigo na mesma pele
Em que antes eu desqualificara.

Mas sentir seu calor penetrar em meu instante não é suficiente.
Quero ser você, quero possuí-la.

Aos teus pés permaneço estático,
Receoso e amedrontado.
Desconheço sua natureza.
Faço força para desacreditar em tudo aquilo que soubera ao seu respeito.

Como última manobra lúcida e, por que não, por autopreservação
Recolho-me.
Tento fugir das certezas que meu corpo obriga-me a pensar.
É um castigo!

Tu és tão vaidosa, valiosa – e sei que não só aos meus olhos -, 
Tu és deusa.

Mas desejo-te incontrolavelmente.
Anseio acessar o Olimpo.
Ignoro os perigos desse acesso.

Há riscos.
Corro o risco?
Arrisco!

Você me queimou? Feriu-me?!
Quanto desdenho!
Ingrata! Bandida!
De nada valeram minhas adorações e devoção?
A dor é latejante. 
Ardilosa! Fúnebre!
Ah! Que desejo insalubre
Que momento disforme.

E mesmo cansado do seu sarcasmo,
Entediado pela sua dança, ferido,
E mesmo depois do seu descaso
Sinto um amável conforto ao teu lado.
Sou incapaz de negar-te agora.

Meu ferimento, provocado por ti
Transformo-o em um amuleto.
É a sua marca em mim.
Será infinita perante meu cônscio vivaz.
Levar-lha-ei comigo. 
Na alma, na pele, na memória.

21.6.11

Aparência

Aos poucos o alívio
E percebo alguns indícios
Que se alojam e regeneram
Pois o peso dos desperdícios
Das oportunidades perdidas
De lutas quase vencidas
Já se foram e não me afetam

E a vida metamórfica
Novamente permuta sua aparência
Parece ajustada e tranqüila
Acertar-se-á como por conseqüência
E trará uma fraqueza, que é a certeza
De que a vida não é mórbida

Mas a tal aparência
Que em nada há semelhança
E que agora se instalou
Pode ser só esperança?
Será tolice eternizar o que estou?
Quando virá minha falência?

Esperança que a tormenta
Não me faça mais presença
Pois não é minha parenta
E que nunca mais desperte
Que não remova a calmaria
Que finalmente me persegue
E não mais me afligia

A vida nos engana
Dá-nos falsas informações
Digerimo-las com lucidez
Equivocadas previsões
Apenas o velho golpe cortês
Um golpe à paisana

Trata-se da vida inexata
Irracional
Como posso compreendê-la?
Não posso!

Submeto-me aos seus caprichos
E continuo com a ilusão
De que minha perseverança
É tão forte e com tanta importância
Que se iguala a imprevisão
Dos Acasos nunca fixos

Somos fortes
Mas apenas para resistir
As desventuras impostas
As feridas expostas
O precisar existir
O que me amputa
O que não veio à passagem
Força que reluta
Não é força: é coragem.


15.6.11

Passos de um absorto

Começo a partir sem rumo. Meu destino não é importante. A incerteza do que virá não me faz receoso e tão pouco amedrontado. Pelo contrário, ela até me trás ânimo! O que me parece importante nesse momento é o oculto que existe intercalado entre a partida e a chegada. Os desvios, mudanças de trajetórias, as novas rotas criadas, iludir o presente e contar que não haja descaso do acaso para comigo. E se a minha chegada me desagradar, basta reiniciá-la.

Seguir. Seguir sozinho; em bando; em par. Seguir a mim mesmo. Seguir em frente, para os lados, desnorteado, sem preocupações de se limitar em pensar em linha reta. Somente seguir.

Mas o melhor mesmo é caminhar sem pressa, sem ansiedade. Assim encontramos a possibilidade de observarmos o que existe fora de nós. O calor do sol me dispersa e passo a pensar só nele, ali distante, longe de todos os cônscios e nossas indiferentes, perante a seu absolutismo, convicções. Vivaz e progenitor. Imperador da Via Láctea.


Acendo um cigarro e fumo. A cada trago distancio-me e trago até mim o que antes talvez fosse inalcançável. A fumaça, que reprimira em meu peito, sai agora em liberdade. Sigo caminhando lentamente, observando na fumaça os resquícios sólidos que rapidamente se transformarão integralmente em gás. O calor. Que calor!

Parar; Talvez seja esse o pior momento. Parados somos remetidos à nostalgia dos tempos em que caminhávamos. Parado começo a refletir sobre mim e quase sempre desgosto do que constato. Caio na tentação de me julgar e o faço com singular maestria.


Ah! A fatiga! Não contava com este malquerente animal. Obrigado a repousar, descanso. E de olhos fechados inicio outro caminho, com o Todo mais amplo; amplidão indescritível na língua falada. Universos sem cores definidas; sem sucesso inesperado; sem calafrios; sem o tato, somente a imaginação do mesmo. Um universo onde os sons triunfam, onde as notas destacam-se, lugar em que os acidentes viram incidentes; Paisagens atemporais.  


A diáfana pálpebra é incomodada e atrapalha-me em minha alienante absorção. Lembro-me do calor que quase esquecera. E por uma temporalidade lembro-me de coisas esquecidas por motivo nenhum. Um chute num cachorro, dor de língua queimada, leite queimado no fogão, rejeições, corizas inconvenientes, planos mal arquitetados, falhas no cabelo, chamar pelo nome errado, datas esquecidas, viagens; Caminhos. 

12.6.11

Súplica ao pensamento atrofiado

A máquina de pensamentos é algo intrigante.

Não me sinto responsável pelas idéias que surgem sem esforço algum. 
Quem, portanto, seria o verdadeiro responsável 
pelo sinal de partida 
das idéias concisas que se passam agora? Preciso entender!

Neste momento perdi a autonomia sobre meus pensamentos. 
Porém o que escrevo agora é completamente racional e consciente. Ou penso que seja. 
Entretanto, redijo sobre o tema que pretendo aniquilar dentre os meus pensamentos. 

Mas comparado com a tortura 
que é pensar sem desejar esse pensamento, 
este registro torna-se ínfimo.

E por precaução defino esta a última vez que volto a este assunto. Está decretado. Preciso esquecer!

Não tenho a quem recorrer. 
Evito pedir auxílio. 
Pois o auxílio nos dá a tola esperança de que nos ofereçam 
uma solução na qual ainda não pensamos.

Como uma relação destemperada pode ocupar tanto espaço nas minhas idéias? 

Não!!! Preciso esquecer!

Torço para que a causa de toda essa inspiração seja expelida junto com essas palavras.

Enfraqueço-me mais-e-mais a cada vez que minhas expectativas roubam meu lugar. Desvirtuo-me. Rebaixo-me à vencedora ao assumir que todas as tentativas já foram feitas e mesmo assim te incluo nos meus escritos e encontro-te em meus pensamentos.

Quero me esquecer do que não tenho. Quero não querer.
Quero a tranquilidade usurpada. É necessário que eu retorne ao meu estado original.
Quero me desvincular de todo estorvo aprisionado em mim. O ideal já não existe.

29.5.11

Suave Coisa Nenhuma!

Sinto uma leve impressão de que falta algo de importante para eu dar continuidade aos meus planos.
Sinto uma angústia. Uma corrosão d’alma.
Não sei donde partiu e nem quando começou.
Só percebi um vazio repentino e inesperado. Estava bem há pouco. O que houve? O que me falta? O que eu já tenho?
Estou desloucado, tresloucado e repetitivo há alguns segundos.
Não quero voltar ao meu estado anterior a essa bagunça. Sinto que alcancei uma espécie de consciência da qual ainda não tomei conhecimento e assim que a decifrar tornar-me-ei outro homem.
Essa mistura de esperança-de-mudanças e receio da mesma chegar abalando tudo o que já criei perturba-me.
Cansei de ser o que sou hoje. Quero novas aventuras e por isso mesmo me perco por não saber ao certo o rumo que irei tomar.
Troco as palavras, mudo as idéias, desprezo a quem gostaria de me entregar, mudo meus olhares e troco-os com desconhecidos.
Nem o futebol tem tanto prazer para mim. Não há adversário; nem desafios.
Estou desconfortável em minha própria pele. O que fazer?
Alienar-me. Fujo desta solução como um cristão da heresia.
Corro pra me fatigar até fugir de mim. Os problemas me acompanham e as respostas estão além do horizonte.
Parar de correr significaria o quê?
Significados; qualificações; títulos. E a tentativa de escrever sobre o indescritível.