18.12.12

Anuir com o ano. Com o ano ir...

Quero, só por curiosidade, provar os limites do corpo
Desgastar toda esta carcaça em discreta descomposição

Quero esgotar todas as minhas idéias
Descartar todos os planos

Quero exaurir todo o tipo de conversa desnecessária
Impedir o excesso de engajamento

Quero sussurrar todo tipo de besteira ao pé do ouvido
Desabotoar toda a sua timidez


Quero grudar na sua boca e chupar todo seu mel
Desapegar desta incerta possibilidade de sofrer

Quero dividir meu corpo
Despejar minhas frações em caldeirões de tribos canibais

Quero nadar no mar em noite de tempestade
Desanuviar meus olhos cinzas

Quero vida e quero agora
Provar d’um agora duradouro
Quero logradouros dentro de mim
Quero guardar tudo que fui esprimido num canto
Quero expandir meus tijolos, refazer a estrutura

Sou consumista,
Quero consumir vida
A minha

Gastá-la,
arrastá-la feito sandália de andarilho

Quero antecipar a morte ao intensificar os segundos,
Imortalizar cada instante vivido,

Quero envelhecer meu próprio passado
Cometer mergulho circense de grande altura, sem rede de proteção

Quero saber pouco e sentir-me infinito.

Sentir a serenidade dum homem isolado e a euforia de um hiperativo.

Quero ser palhaço para a criança,
Ser desorientado para o idoso.
Ser um parâmetro a não ser seguido.

10.12.12

Na Beira dum Lago

Quero a liberdade dos pássaros
Quero que o mundo a sinta.

Os pássaros sabem voar, e o fazem com naturalidade
Repousam sobre as correntes quentes de ar, deixando-se levar

Experimentam observar a vida sobre os galhos das árvores
E ali ficam por um tempo que não se conta

Experimentam trocar de árvores
e com extrema sensibilidade percebem a diferença entre cada uma delas

Essa diferença é a beleza sentida por eles
A diferença entre tudo
É o que torna o Tudo belo. Misticamente belo.

Pássaros são sensíveis
Mas não possuem o domínio dos sentidos.
Pássaros são facilmente apaixonados. 
Uma paixão inteligível. Forte.
Sentida em quantidade e em simultâneo.

São apaixonados pelas diferentes sombras 
Amam os diferentes feixes de luz entrecortados pelas folhas,
Conseguem perceber os ventos que mudam de acordo com a altura
Reconhecem os variados tipos de madeira em que se agarram,
se são lisas, robustas ou descascadas pelo tempo.

O pássaro ama a vida, sem saber que ama.

Cantam para si e para ninguém.


Eu aqui sentado, à beira dum lago.

Com tanto mundo por ai.
Eu aqui sentado, a beira dum lago.

A mistura dos cantos, o silêncio das águas
Ouço minha respiração profunda e calma

Os pássaros são exuberantes,
Voam à minha frente

Com seu canto, parecem dizer:
“O mundo não é só este que te toca os pés,
O mundo é imenso e deve ser conhecido”

Eu aqui sentado,
Refletindo sobre as formas de viver
Sobre as formas de se privar da vida
E por estar aqui sentado, apenas pensando
Não sei se vivo, ou se apenas penso
Ou se penso que vivo

Mas por que me deu vontade de refletir sobre os pássaros?
Ora, sei lá. Pensamentos chegam sem aviso.

Pássaros são livres. 
Estou observando-os com estranha alegria
E neste tempo todo
Não pude identificar o limite que os prendem

Nós desejamos liberdade parecida, mas a tiramos.
Tiranos tiramos.

Quando encontramos algo belo, como os pássaros
Desejamos, com imenso egoísmo, aprisionar esta beleza
Vê-la todos os dias, senti-la todos os dias

Amamos possessivamente, 
Um desejo soberano, injusto e cruel

Queremos voar, mas também prender
Queremos voar, mas também ser preso

A beleza, ainda que engaiolada, permanecerá bela.

Mas não do ponto de vista de dentro da gaiola,
Onde se vê o mundo de fora idêntico ao que se vivia,
Onde se ouvem os pássaros com cantos eufóricos e livres
Onde se percebe as árvores, galhos e sombras.
Onde se enxerga a vida e encerra-se a própria.

A beleza está lá, intacta, presa.
Pássaros são condenados por terem nascidos belos.
Esta é a sua culpa. Nasceram belos e livres.

Privar algo belo apenas por querer garantir que esta beleza seja sua
É privar o mundo de conhecer algo 
que reconhecemos como belo
É privar esta beleza 
de conhecer outras belezas

Queremos ser únicos... E somos. Esta é a nossa maldição (ou salvação)
Pois queremos ser completos e completar

Ser único é ser limitado, pois não possuímos todas as qualidades procuradas

Existem lacunas 
que não precisam de um preenchimento pleno
Mas uma vida completa e recheada de todas as satisfações é algo tentador

Como exigir que um pássaro, belo, vivo, com um canto alegre
Reproduza tal canto e vivacidade num espaço limitado?

E nem que esse espaço aumente. O nosso limite deve ser o mundo.

Apesar da natural vontade (humana) tirana
De querer reter uma beleza
E querer ser retido;
Exercito uma contra-vontade.

Impor-se como único, é impor limites.
Limites são gaiolas que consomem vida

Exercito, mas não posso evitar-me.

Sou daqueles que possuem gaiola e gasto tempo ornamentando-a.
Mas não faço dela moradia forçada

Quero que minha gaiola não limite, deixo-a sempre aberta
Para que pássaros vejam o mundo de fora e não se sintam fora dele

Quero que minha gaiola nunca se feche,
E mesmo que as vezes eu finja que perdi a chave,
Deixo-a escancarada mais cedo ou mais tarde.

A beleza dos pássaros é a liberdade
Quero vê-los voando e pousando sempre

Sou contra a adição de gaiolas.
Sou a contradição.

5.12.12

A Travessa

Os carros disputavam espaço, arrancavam.
Arrancavam a paz com o atropelo dos sons futuristas

Mas por um momento a cidade suspendeu...

Os carros em consenso, brecaram para dar passagem à moça 
que esperava o sinal vermelho para atravessar

Aguardaram-na com satisfeita paciência
Foi com deleite que acompanharam o desfile que se inciava à frente

A beleza despretensiosa é ainda mais bela.

O sorveteiro que atendia a criança distraiu-se,
e deu o troco sem ter certeza do valor que devolvia

O homem de terno ao celular desconsiderou a importante ligação
E deteve-se para observar a aproximação de descomunal beleza

Por conta dela...

O sol ressaltou e alaranjou ainda mais o passeio
O vento soprou suave e rápido para contornar as curvas da pequena moça
O céu desanuviou dando um largo sorriso na tentativa de ser percebido

Um casal de apaixonados que se beijavam, pararam
E depois beijaram-se com ainda mais vontade,
pois desprezar o que todos viam
fez-se necessário para não desgastar a relação


O tempo se desapressou, os pássaros cantavam esgoelantes
As cores tornaram-se vibrantes
O decorrer do dia foi esquecido durante aqueles imensos instantes

Os transeuntes desistiram do trajeto, viraram espectadores;

O Padre não pode evitar a curiosidade e também olhou

Todos olharam


Os passos se encurtavam e quase pausavam o caminhar;
Os corpos que haviam ultrapassado o ângulo de visão, torciam o pescoço para trás;
Ninguém queria perdê-la de vista
Olhos vidrantes apenas para vê-la atravessar

Um evento habitual, mas que nem sempre contém tamanha abundância
Uma beleza feito um quadro, quase congelada durante alguns segundos
A beleza dela se multiplicava e distribuía-se a cada observador

Eis que ela completa a travessia. E o mundo pode então voltar a si.


E Ela tão bela, não soube.
Não sei se por descrédito, hábito ou desconfiança
Desprezou o mundo que a contemplava

Chegou ao outro lado da rua impecável e exuberante

Tão despreocupada com o caos que causa
Quanto indiferente ao que por ela pausa

27.11.12

Vestígio

I

Em uma neblina intensa
Continha meus medos
Contava meus sonhos
Conteve medonhos astros cadentes que mal via

É possível ver a beleza no escuro

E uma neblina tensa
Cobria meus pés
Forjava meus passos
Forrava meus rastros, pegadas apagadas que me esquecia

É possível ser passível sem passado



II

Ligeiramente estranho,
estranho a mente.

Enquanto tênue,
Tento ser tenaz.

Conhecida a dura condição
de admitir-se passageiro

Embora não queira ir embora.



III

Um breve grito extraiu-me do repouso
Assustado, reagi
Não pude evitar o brusco movimento
Incalculável, imprevisto

Em troncos encontro o conto duma vida

Um breve risco limitou meu Estado
Demarcado, coagi
Jamais permiti requerer fronteiras,
Divisórias, discernidas

Desejo o estado de sentir-me estrangeiro

21.11.12

Cores

Quando apaixonado
Fico em uma espécie de embriaguez
O que afirmo parecem histórias absurdas
O que digo soa com um desproporcional exagero

Minhas verdades se expandem peito a fora e parecem irreais quando escapam de mim
Minha língua perde o filtro e o que penso vai logo saindo pela boca, pelas tintas no papel

Tintas que percorrem o caminho indicado pelas mãos
Mãos que soltam frases intrínsecas;
que desejam se enlaçar com a mão amada 
para abdicar de toda fala escrita, pois escritos dão margens à confusão

Por isso digo! E as vezes me arrependo pelas minhas verdades serem tão fantasiosas
Mas que culpa tenho
se não vivo mais entre os que apreciam a realidade tal qual ela é?

Compartilho uma espécie de sorte
Um sentimento feito fogo, que hipnoticamente queima, arde
E que promete se apagar,

Mas o ensejo encontrado compensará o fogo
Com mais matéria para a combustão

Sentido incontrolável e talvez imaculado 
Feito um riso instantâneo provocado ao ver um constrangedor tropeço alheio

A vida e seu conjunto de coisas, com suas incontestáveis qualidades reais
Perdem o brilho da imaginação.

A realidade me soa miserável, morna
Um painel colorido com cores já conhecidas, já muito vezes usadas

Quero esgotar do indivíduo
Sugar todas as possibilidades para fartar o que não se sacia

Tornar-se indiferente à realidade dicotômica
Que divide a vida em antagonismos

Apesar de estar nela, vivo uma terceira opção
E entre o feliz e o triste; entre o real e o excessivo - escapo

Sou apenas Eu.

Apenas porque já me fiz pouco
Este pouco que é inverso e
que não representa o muito que me habita

O mundo que em mim reside revoluciona
Impõe que o escasso não seja permitido

Ser Eu pode ser suficiente.

13.11.12

Dose


Enchi meu copo

Fiquei a observá-lo, refletindo sobre nada.
Refletindo sobre o líquido que me refletia.
Estava silencioso, sentia-me quase pleno.
Faltava apenas um copo para me preencher

Sentimentos tomados num só gole
Saboreando o gosto entre os dentes

O teor da bebida não é ruim,
Mas fixou em minha face uma careta incontrolável

O sentimento que guardo
Revela-se de outros modos, inclusive o pior deles.

Denuncia-me
Feito uma pele clara que se ruboriza;
Feito sobrancelhas que se inconformam;
Feito manifesto que não se calcula;
Feito um relógio quebrado que fatalmente se acusa
Traídos pelos próprios ponteiros que confessam a última hora alcançada

Assim estou eu
Com os ponteiros parados enquanto o tempo corre

Com careta azedume
Mas com gosto de mel na boca

O fundo do copo agora vazio
Não mais possui reflexão de imagens
Ingeri-as todas

Enchi meu copo

Fico a observá-lo...
Olhando-me... Profundamente... Através dele...
Enxergando o que sou, e o que deixei de ser após o último copo.

Mirando o fundo
Percebo a possibilidade de novamente ser outro

A capacidade de me reinventar
Será sucedida pela incerteza do porvir

Feito um ser perdido que encontra à frente uma encruzilhada
Voltar jamais. Deve-se escolher:
Mas qual dos caminhos o levará a algum lugar reconhecido?
Qual dos caminhos o fará mais perdido, disperso, espalhado pelo mundo?


Fitando o copo
Reflito sobre a minha imagem refletida
Encaro-me demoradamente para me recordar
Para não me esquecer do último que fui
Para não me esquecer do último que continuo sendo até virar o próximo copo

Que ainda continua cheio...

Que ainda continua com o meu último eu
Refletido na superfície

6.11.12

Alterar

O caminho carinhosamente aconselhado
Inflama a ansiedade


Na tentativa de encobrir um segredo
Há a culpa


Do excesso cometido perante aos olhares a espreita
Nasceu o incômodo


No incontido proferido aos quatro ventos
Escapa o íntimo


A falta de esclarecimento
Insinua

28.10.12

Florisbundo


Florisbundo não gostava de flores. Pressentia algo ruim delas. "Exalam um cheiro de morte!"

Ser incrédulo. Floris nunca se dera por vencido. Tinha uma propensão natural para perceber o lado negativo das coisas. Descobria pequenos vãos e frustrava-se.

Teve muitos amigos e alguns bons. (Detinham-distraiam-divertiam)-no. Depois, a sós, Florisbundo relembrava as cenas, pesava as palavras, ponderava os exageros proferidos.
Punia-se por lembrar-se de frases ditas em momentos inoportunos.

Encasquetava:
Quando elogiado, desconfiava;
Enquanto amava, padecia;
Quando era ele o amado, desdenho;
Se havia certeza, interrogava;
Se havia clarão, gravidade.

Florisbundo tinha um enorme desbúndio pela vida. Pensava nela como uma incumbência, uma obrigação. Sabia ser necessário manter-se vivo, só não entendia o pra quê.


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Floris sofrera poucas ilusões na vida, talvez por isso fosse tão vazio.

Jamais conseguiu sentir o vento que refresca ao respirar fundo;
a tranquilidade que atinge a alma, tingindo-a d´outra cor;
sentir o belo e incontrolável enrubescer da face;
a palpitação que de súpeto se acelera;
o espanto ao descobrir algo fantástico;
o fechar de olhos e abrir de ouvidos.

Jamais conseguiu sorrir sem motivo e tão pouco a intensidade de sentir algo que nos invada e faça.

Reconhecia como sua maior qualidade adaptar-se ao que se exigia. Seu exercício diário era não se tornar inconveniente e ao mesmo tempo absolver os destemperos alheios.

Floris desgastava-se quando o mundo não agia como ele.


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Florisbundo também era metódico - E do pior tipo: do tipo que não percebe ser metódico. 

Toda noite saia do banho, vestia o seu pijama ainda no banheiro, calçava as pantufas, entrava no quarto e descalçava-se ao pé da cama, deitava-se, cobria-se e beijava a esposa que nunca se virava para retribuir o cumprimento. Finalmente, Floris se virava e mirava sempre o mesmo quadrante da parede oposta a esposa. Fixando-se nessa vista de concreto colorido, refletia sobre o decorrer do dia – que tanto se parecia com os outros- e avaliava os bons e maus momentos.

Ao colocar os fatos sobre essa balança imaginária, Floris percebia que ela sempre pendia para o lado negativo, concluindo assim que seu dia fora - novamente - um acumulado de maus momentos.  A balança desfavorável quase o anulava.


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Semanalmente trabalhava, sempre acordava cedo, vestia as roupas adequadas às ocasiões, comparecia aos cultos religiosos, limpava a casa antes de receber as visitas e tratava todos com exagerada educação.

Florisbundo vivia à base de aprovações.

Ocupava-se de tarefas que em nada o ocupavam. Sentia-se vazio; e imenso. Em seu tempo livre, não se livrava de si. Era óbvio seu problema: ele era seu próprio estorvo. A solução passava-lhe pela cabeça, botar fim a própria vida. “Temos domínio sobre o próprio tempo. Continuo por que me relevo”.

Florisbundo, a cada dia, deixava florescer seu lado suicida. Evitava cometer tal ação por temer sofrer condenações Póstumas! .


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Suas melhores aptidões sempre estiveram rodeadas de imperfeições, de lacunas a serem aprimoradas. Buscava ser pleno, ideal. Sua vida era uma corrida atrás da linha de chegada que jamais chegaria.

Florisbundo nunca teve e nunca alcançou um lugar de destaque na vida de quem o conheceu.
Em geral, quem lhe estava próximo não se queixava da sua companhia como ele imaginava. Em todos os seus relacionamentos acreditava ser apenas tolerado. O amor para ele era um fictício estado de espirito.

Suas reflexões, apesar de embasadas, eram desnecessárias para pessoas que – por autopreservação – costumam repudiar a inocência do estado melancólico. Seus discursos não acessavam as pessoas já tocadas pela felicidade.


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Florisbundo era novo. Mas em pouco tempo havia se cansado:
da vida;
da rotina;
da própria Via Crúcis;
das pessoas;
da uniformidade de seus sentimentos;
da espera pelo êxtase;
do emprego;
da mesmice.

Floris tentou de algumas formas compensar-se. Na última delas resolveu investir seu dinheiro superfluamente, decorando seu quarto com um novo adorno. Substituiu o abajur que embelezava seu criado-mudo ao lado da cama, por uma reluzente arma de fogo.


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Diariamente, em sua análise noturna, mirava o mesmo quadrante de sempre. Embora, agora, o novo objeto comprado fizesse parte do seu campo de visão. Esta nova aquisição oferecera-lhe um novo caminho reflexivo. Com o tempo uma nova ideia tomava forma.

Ao fim de mais um rápido e curto dia, Florisbundo novamente analisou os acontecimentos e, conforme o esperado, a balança novamente indicou o déficit diário. Floris já tão cansado de si e exausto por ser seu maior infortúnio,  decidiu imputar em seu cárcere pensante um projétil disparado pelo novo objeto comprado.

O que se passou a seguir ao enorme estrondo nunca se soube.
Mas para a agonia completa de Floris algo não calculado apresentou-se como resultado. Soube – por um momento jamais encerrado – que mesmo em morte, continuaria sendo exatamente o mesmo Florisbundo que fora em vida.

Sua inocência impedira-o de perceber que estamos condenados a sermos uma única pessoa,

Admitindo-nos
ou não.