Suas pernas alargavam os passos.
Ingênuas, confundiam pressa com alívio. De nada
adiantaria encurtar as distâncias. Percebeu dar passos em vão. Simulou ter destino
adentrando na taberna que acenava convidativa à frente. Perfurou rápido, sentou-se
no fundo e pediu o que beber.
Seguia sentado, mas de pé em seus
pensamentos. Enxergava passos ao ouvir escombros. Esperava; Jamais parado.
Movia-se de um lado para outro em sua caixa cefálica.
Ergueu o braço e apontou para o
copo vazio. Ordenou que lhe renovassem a dose.
Cabeça baixa; Olhar curvo.
Recostava-se de modo inclinado, encostando levemente as costas na ponta da
cadeira. Seus pés poderiam tocar na parede se o seu corpo escorregasse.
Manteve-se quasinérte. Executava poucos movimentos limitando-se à apatia. Suas
ações no intrecéfalo já o agitavam o suficiente. Fatigavam-no em demasia.
Telas de pincel batido fabricavam
imagens que se presencia. Preenchiam suas recordações com cores alegres, que
borram os quadros ainda brancos. Um contentamento falso que zombava da sua realidade. As
memórias de tempos passados confundiam-no. Não sabia se fora feliz, mas sabia
que nunca fora como estava. A felicidade irônica das cores fazia-o espiar a
vida em tons de cinza.
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O inferno que se aproximava não
vinha de baixo e tão pouco esquentava; Não o punia e nem o influenciava a nada.
Seria tudo escolha sua? Mas então, de onde vinha essa corrente que direcionava
o fluxo de elétrons? Não se sabia, não se via e nem se poderia ver. Ondas de rádio
atravessavam sua cabeça. De súbito lembrou-se de uma música. Não gostava dela.
Olhar baixo; Cabeça curva. Feito
um homem tímido e não-curioso interrogava a parede a sua frente. Entre tantos,
intrigou-se: Descobriu um pequeno ponto da ruidosa parede que tremulava.
Observava o agitado buraco dançar no compasso da música ruim que estava em sua
cabeça. Queria se amigar com a lacuna. Sentiu-se privilegiado - e exclusivo! -
por perceber o simpático dançarino.
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Permaneceu horas sentado e voltado
à parede. Salvo o rapaz que lhe renovava as doses com frequência, ninguém o
notava. Passar despercebido estava cada vez mais frequente. Esquecera-se do que
é ser lembrado, da sensação do que é habitar uma cefalia alheia, do que é caber
na memória dos outros.
O ponto se exibia para ele.
Felicitava-o. Ilusões nos oferecem o que queremos. Sentimos o seu gosto inexistente.
Preenche-nos momentaneamente com suficiência. O ponto dançarino o contentava.
Não sabia se ele de fato existia, se outros poderiam enxerga-lo, mas era certo
que o sentia. O ponto deslizava, subia, contornava e sumia!
Refletia sobre aqueles ousados
movimentos. Seriam frutos de alguma necessidade? Não importava. Sentia o ponto.
Podia vê-lo. Sua visão aos poucos desfocava pelo foco no pensamento. Desfocado. Desnítidez.
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Passou a ouvir a felicidade que
ria e falava alto. Gargalhadas inesperadas que repercutiam e reverberavam em
suas paredes internas. Ele não era assim, não era como eles. Há tempos que não
gargalhava, embora, às vezes, tivesse motivo para rir. Acreditava ser o humor uma inocente alienação.
Sem perceber, passou a se comparar
com todos aqueles que observava. Roupas; gestos; exageros; desgraças; flertes;
sorrisos. Ressaltava os pormenores. Quase nada lhe escapava.
Seu pensamento ia longe, passeava
para lugar nenhum, viajava entre coisas e lembranças. Parecia enxergar entre
frechas e por vezes ausentava-se. A cada retorno a si um incômodo aumentava.
Sentiu-se enjoado com aqueles estranhos de conversas facilmente decifráveis.
Três frases seriam o bastante para descobrir o assunto, o teor e o provável
desfecho. Criava asco por todos e repreendia-se por compará-los
consigo e punia-se mais ao notar semelhanças. Esgotou-se de desgosto.
Experimentava um ar de
desimportância dos outros para com ele, para com as suas observações. Este
sentimento que percebia e aumentava não partia dele e nem dos outros. Essa
atmosfera comparativa coexiste em todos os cantos: Nas ruínas da parede que
observava, dentro da fenda que mal cabia um guardanapo, dentro da taberna, da
bebida, dos corpos. Dentro do mundo; Dentro de tudo, pois a atmosfera
comparativa que respiramos mora dentro dos olhos de quem observa. Um confronto involuntario.
Jogou uma quantia de dinheiro na
mesa e saiu do bar para adentrar em seu habitual mundo.
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Não havia aonde chegar, méritos
para recordar e nem algo para alcançar. Nada via em suas vias. Para onde iria
desta vez? Sem caminho, traços ou destinos: condenava-se. Para evitar ser
óbvio, praticava reprimir suas vontades mais naturais.
Percorreu sua falta de caminho
esbarrando no meio-fio. A calçada afunilava, tornava-se estreita apesar da
concentração. Fraquejou o passo, ameaçou mergulhos e tombava penso. Escorou-se
em paredes que se esquivavam e equilibrou-se beirando o ridículo.
Seu desbúndio para julgamentos era
imenso e engrandecia. Pecava ao tentar encontrar-se em caminhos já traçados.
Seu erro era pensar ter algum direito sobre as coisas. Optou: Sem
ganância, alvos ou desejos seria impossível acumular derrotas. Sua vida era agora
despretensiosa.