31.5.12

Desvario

Cansado de si, caminhava sem destino há algumas horas e qualquer momento inesperado o faria bem. Suas conclusões mais que óbvias o entediavam. 

Suas pernas alargavam os passos. Ingênuas, confundiam pressa com alívio. De nada adiantaria encurtar as distâncias. Percebeu dar passos em vão. Simulou ter destino adentrando na taberna que acenava convidativa à frente. Perfurou rápido, sentou-se no fundo e pediu o que beber.

Seguia sentado, mas de pé em seus pensamentos. Enxergava passos ao ouvir escombros. Esperava; Jamais parado. Movia-se de um lado para outro em sua caixa cefálica.

Ergueu o braço e apontou para o copo vazio. Ordenou que lhe renovassem a dose.

Cabeça baixa; Olhar curvo. Recostava-se de modo inclinado, encostando levemente as costas na ponta da cadeira. Seus pés poderiam tocar na parede se o seu corpo escorregasse. Manteve-se quasinérte. Executava poucos movimentos limitando-se à apatia. Suas ações no intrecéfalo já o agitavam o suficiente. Fatigavam-no em demasia.

Telas de pincel batido fabricavam imagens que se presencia. Preenchiam suas recordações com cores alegres, que borram os quadros ainda brancos. Um contentamento falso que zombava da sua realidade. As memórias de tempos passados confundiam-no. Não sabia se fora feliz, mas sabia que nunca fora como estava. A felicidade irônica das cores fazia-o espiar a vida em tons de cinza.


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Jamais parado. Saia da inércia apenas para ingerir mais álcool. Seu paladar não mais examinava a confortante bebida amadeirada que o distraiu a tarde inteira. Mal lembrava o que havia pedido inicialmente. Mas pouco importava. Pedia pares delas a fim de parar em número ímpar.


O inferno que se aproximava não vinha de baixo e tão pouco esquentava; Não o punia e nem o influenciava a nada. Seria tudo escolha sua? Mas então, de onde vinha essa corrente que direcionava o fluxo de elétrons? Não se sabia, não se via e nem se poderia ver. Ondas de rádio atravessavam sua cabeça. De súbito lembrou-se de uma música. Não gostava dela.

Olhar baixo; Cabeça curva. Feito um homem tímido e não-curioso interrogava a parede a sua frente. Entre tantos, intrigou-se: Descobriu um pequeno ponto da ruidosa parede que tremulava. Observava o agitado buraco dançar no compasso da música ruim que estava em sua cabeça. Queria se amigar com a lacuna. Sentiu-se privilegiado - e exclusivo! - por perceber o simpático dançarino.


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Sem levantar o rosto e sem ao menos mover os olhos, percebeu que era possível enxergar todos ao seu redor. Obliquo, tentou observar sem parecer um observador.

Permaneceu horas sentado e voltado à parede. Salvo o rapaz que lhe renovava as doses com frequência, ninguém o notava. Passar despercebido estava cada vez mais frequente. Esquecera-se do que é ser lembrado, da sensação do que é habitar uma cefalia alheia, do que é caber na memória dos outros.

O ponto se exibia para ele. Felicitava-o. Ilusões nos oferecem o que queremos. Sentimos o seu gosto inexistente. Preenche-nos momentaneamente com suficiência. O ponto dançarino o contentava. Não sabia se ele de fato existia, se outros poderiam enxerga-lo, mas era certo que o sentia. O ponto deslizava, subia, contornava e sumia!

Refletia sobre aqueles ousados movimentos. Seriam frutos de alguma necessidade? Não importava. Sentia o ponto. Podia vê-lo. Sua visão aos poucos desfocava pelo foco no pensamento. Desfocado. Desnítidez.


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Ouvia algo ao fundo se aproximar. Era o fundo que se avolumava. Som ambiente ganhando espaço. Copos recolocados no balcão e barulhos de conversas desviaram sua atenção.

Passou a ouvir a felicidade que ria e falava alto. Gargalhadas inesperadas que repercutiam e reverberavam em suas paredes internas. Ele não era assim, não era como eles. Há tempos que não gargalhava, embora, às vezes, tivesse motivo para rir. Acreditava ser o humor uma inocente alienação.

Sem perceber, passou a se comparar com todos aqueles que observava. Roupas; gestos; exageros; desgraças; flertes; sorrisos. Ressaltava os pormenores. Quase nada lhe escapava.

Seu pensamento ia longe, passeava para lugar nenhum, viajava entre coisas e lembranças. Parecia enxergar entre frechas e por vezes ausentava-se. A cada retorno a si um incômodo aumentava. Sentiu-se enjoado com aqueles estranhos de conversas facilmente decifráveis. Três frases seriam o bastante para descobrir o assunto, o teor e o provável desfecho. Criava asco por todos e repreendia-se por compará-los consigo e punia-se mais ao notar semelhanças. Esgotou-se de desgosto.

Experimentava um ar de desimportância dos outros para com ele, para com as suas observações. Este sentimento que percebia e aumentava não partia dele e nem dos outros. Essa atmosfera comparativa coexiste em todos os cantos: Nas ruínas da parede que observava, dentro da fenda que mal cabia um guardanapo, dentro da taberna, da bebida, dos corpos. Dentro do mundo; Dentro de tudo, pois a atmosfera comparativa que respiramos mora dentro dos olhos de quem observa. Um confronto involuntario.

Jogou uma quantia de dinheiro na mesa e saiu do bar para adentrar em seu habitual mundo.




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Não havia aonde chegar, méritos para recordar e nem algo para alcançar. Nada via em suas vias. Para onde iria desta vez? Sem caminho, traços ou destinos: condenava-se. Para evitar ser óbvio, praticava reprimir suas vontades mais naturais.

Percorreu sua falta de caminho esbarrando no meio-fio. A calçada afunilava, tornava-se estreita apesar da concentração. Fraquejou o passo, ameaçou mergulhos e tombava penso. Escorou-se em paredes que se esquivavam e equilibrou-se beirando o ridículo.

Seu desbúndio para julgamentos era imenso e engrandecia. Pecava ao tentar encontrar-se em caminhos já traçados. Seu erro era pensar ter algum direito sobre as coisas. Optou: Sem ganância, alvos ou desejos seria impossível acumular derrotas.  Sua vida era agora despretensiosa.


21.5.12

O Peso da Palavra

Som súbito. Acordou
O dia chegara cedo
Sem dúvidas: Estava feliz

Preparava-se para o assassinato.
Aniquilaria - de vez! - todo o enfado
Arrematou-se de entusiasmo.

Banhou-se sem pressa.
Havia tempo até chegar o momento.

Ajeitou a casa ao som de Caetano
Sem sacrifícios.

Foiçou ervas-daninhas
Admitiu tirar proveito do verde,
Enfileirou o pó acumulado
E exagerou na faxina.

Todo cansaço seria recompensado.

O dia já perdia 
suas cores.
Aproximava-se do desejo.

Mas ao partir
Houve o que se ouve do inesperado:
Palavra Pesada.

Esforço tolo e em vão
Perante ao peso insuportável.

Ainda dentro se via:
Chuva lá fora.

Notou sua falha: falta de hipóteses.
Não supôs se molhar.

Expectativas frustradas
Têm o seu tom humorado

Mas são piadas
em que as risadas
soam atrasadas

Apesar da enorme graça 
Nem todos riem juntos.

8.5.12

Arena

Com os combatentes a postos, o prêmio desejado aguarda o vitorioso.
Aquele a quem realmente mereça o desfrute.
A reconquista do mérito é o que importa.
O passado já passou. Esquecido.

A disputa desnivela, exige esforço
Requer platéia e condecoração

O troféu que espera pelo triunfo
Faz-se ansioso por sua conquista

Somos todos concorrentes
Temos todos o potencial de superar o próximo
Ultrapassar alguém é engrandecer-se

Somos todos competidores?
Não tenho competência para competir.
Ao menor sinal de luta
Renuncio à ofensividade

O oponente ri, tira sarro, esmiuça
Faz-me parecer ridículo perante aos espectadores

Figurar maior que a realidade.
Elevar-se desbancando a glória alheia
Pedante, almeja ser declarado deus
Mas ao sentir o primeiro golpe volta a si

Sua força bruta
Resulta de uma luta
Que reluta e oculta
Sua insiginificante pretensão:
Tornar-se importante

Viver perdeu prestígio
Ser reconhecido é o que mais se valoriza

Superioridade é questão de ponto de vista

Se quiser, faça o teste:
discorde dos teus deuses
e então descobrirá seu verdadeiro tamanho

1.5.12

Entre conversas

Gotejos saíram de época.
Não se pode mais plantá-los.
Entramos em tempo de enxurradas e tempestades.

Chuvas fortes e ventosas serão venturosas para os amantes de mistérios.
Forte magnetismo têm os eventos que não se explicam.
Atração.

Natureza das grandes quedas d´aguas. Natureza das grandes quedas em si.

Possibilidades que giram em nossas cabeças. Vãs tentativas de decifrar mutuamente o instante em que todos participam.
Mas como eleger uma verdade em meio às indecisões?

Água fria; espinho no pé; onda que amortece nas costas.
Castigos de uma natureza cruel, embora inocente; quase inconsciente; mas nunca inofensiva.

Entre conversas, pausas aproveitam seu momento.
Revelam o que palavras não arriscam
E nos submetem à verdade omitida em nós

Omissão é silêncio
Mas um silêncio que fala por si
Prestes a se entregar