27.2.12

Traição

Dominar o impulso e controlar os batimentos são coisas possíveis?
Domar o instinto e postergar questões  são coisas  passíveis?


Desviar a elocução àlguém de menor importância é um recurso dos fracos.


Assim como se engrandecem as enfermidades após a consciência do diagnóstico,

aceitar a fragilidade sentida é debilitar-se mais.


Uma possibilidade tangente incomoda, mas não deveria.


Existem alguns valores morais que de tão intrínsecos e hereditários

São confundidos com sucessões genéticas.

Parecem contidos no espírito, nas vísceras.

Abdicar deles e propor que a estrutura se altere é ousado e revolucionário.


Possuimos o direito de manifestar um desejo tirano?

Fujo das exigências que o corpo teima em pedir.

Tiranos querem ser únicos.

Extinguem a liberdade a fim de ganharem maior influência

E acabam por obter repugnância e um inevitável destronamento


As possibilidades que machucam simplesmente ao imaginá-las

Trazem consigo uma agonia não-imaginária, real;

Que pode ser sentida, ouvida e expressada.

Mas optamos em remoê-las

Por serem patéticas a ponto de tornarem suscetíveis o escárnio e o ridicúlo.


Assisto calado,

Pois as palavras transbordam.

Entende-se muito mais do que realmente se tentou dizer.


Lutar contra os valores-viscerais é mutilar-se.

Expulsar idéias é tarefa árdua.

É preciso revirar o que existe entre as entranhas.

Mas revolucionar é renovar através de danos.

22.2.12

Reflexão

Se quiseres, concordarei com sua insistência
De querer convencer-me da beleza de meus olhos
Mas essa beleza que enxergas, explica-se:
Quando me vê, meus olhos tornam-se belos por conterem a sua beleza refletida neles
A beleza que existe em mim
Só existe perto de você

Compartilhamos uma euforia dissimulada
Ocultamos o que sentimos e negamos a momentânea verdade
Evitamos novos passos
Pelo medo de termos caminhados tão depressa até agora

Os pés se arrastam feito dança.
Percorrem o caminho sem demonstrar pressa,
Apesar da impaciência para cruzarmos juntos a linha do que aparenta ser inevitável
E da ansiedade por lutar contra as consequências que não foram previstas por nós

A vida que se segue com as rotinas desgastantes
E que nos ocupam com infinitas bobagens
Tenta tornar-se importante
Perante ao segredo que guardamos dias atrás

A força para resistir vêm das promessas que fizemos
Prometimentos de que a vida será alegre, divertida e recheada por olhos que se cruzam e pousam, 
que refletem a imagem da companhia desejada
E que se fecham apenas por êxtase.

17.2.12

Rua Tereza, nº 1023

Acordei taquicárdico, assustado. Sabia que fora apenas um pesadelo, mas esse autoconhecimento não me confortou.  Não queria correr o risco de voltar a ter aquele sonho. Desisiti de dormir.

Aos poucos o pouco da claridade que invadia o ambiente ajudava-me a entender onde eu acordara. Meu raciocínio estava lento, minha cabeça doia. Mesmo sem muita nitidez por conta da sonolência, identifiquei alguns móveis: Não eram os meus.

O sol forte abafava. O cobertor - que apesar de cobrir apenas as minhas pernas – passou a me incomodar. Senti uma mão gelada segurando a minha. Virei-me para confirmar quem dormia ao meu lado, embora, pelo ato de apertar as mãos, eu já soubesse: dormia ao lado de Tereza. Dizia só conseguir dormir se nossas mãos estivessem entrelaçadas, que não conseguia ser diferente. Aquilo passava certo conforto a ela e, por isso, não negava, mesmo que me causasse um desconforto algumas vezes. Quando livrava minha mão da dela, apesar de todo cuidado sorrateiro nesse desvínculo, ela não tardava a perceber o vazio nas palmas e, quase sonâmbula, buscava-as novamente. Sinto que Tereza as procurava como uma forma discreta de verificar se já eu havia ido embora.

Pensar nisso incomodou-me e decidi que já era hora de partir. Sem soltar sua mão, mudei minha posição na cama como se ainda estivesse dormindo, de modo a ficar de costas para ela. Lentamente desentrelaçei os dedos e sentei na cama sem causar barulhos.

Num silêncio quase absoluto, levantei e procurei minhas roupas. Vesti a bermuda e busquei a camiseta que estava jogada do outro lado do quarto. Coloquei-a sobre o ombro e, mantendo o silêncio, destranquei a porta. “Minha carteira!” - pensei. Procurei-a em todas as primeiras gavetas de todos os móveis do quarto; Sem sucesso. Costumo guardá-la em lugares fáceis e práticos de se guardar e, portanto, deveria achá-la com a mesma facilidade, mas isso nunca acontece. O difícil é realizar buscas em silêncio: o sono de Tereza é sensível ao fechar de gavetas.

- Aonde você vai? – Disse erguendo o pescoço para conseguir me ver
- Comprar pão. Viu a minha carteira?
- Dentro da minha bolsa. Pode pegar...

Voltei para beijá-la e sai sem mais dizer.

Existe uma praça no final da Rua de Tereza. Desci a ladeira e sentei em um dos poucos bancos cobertos por sombras . As árvores cantavam por assovios. A praça e as ruas estavam vazias e os assovios dos homens ainda não haviam excedido o dos pássaros. Provavelmente ainda era cedo.

Resolvi descansar um pouco no banco em que já estava sentado. Permanecer. Aproveitar o cheiro de mato que a  gelada brisa trazia para organizar os pensamentos. Fiquei ali um bom tempo antes de decidir ir pra minha casa. 

Refletia. Pensava em Tereza, nas coisas que me faziam esquecê-la; No lindo canto vindo dos galhos e como se tornavam ínfimos perto do canto intenso e altivo dos homens, no incômodo e depressão que provavelmente sentiam os pássaros que, por serem melhores músicos, jamais compreenderão a simplicidade das notas ruidosas que saem dos motores e construções humanas.

Percebi, à minha frente, mas do outro lado da praça, uma velha senhora sentada e recostada sob as portas fechadas de um estabelecimento qualquer. 
Espreguiçava-se; Esticava as pernas; Comprimia o dia.

Interessei-me por ela. Intrigou-me. Observá-la naquela manhã seria um ótimo passatempo.

Reparei que não tinha os olhos tristes ou cabisbaixos, pareciam até ter uma certa soberba ou desprezo ao que lhe era alheio. Seu rosto demonstrava cansaço, mas não havia outra expressão que permitisse mais interpretações. Pelas roupas podia-se supor que passava necessidades.

“Mas que besteira a minha!  Entitular pessoas pelas vestimentas: ternos são diferentes de ternos sujos e rasgados, mesmo que tenham sido feitos com o mesmo tecido; roupas que uniformizam limitam as interpretações; camisas pretas com bandas que atravessam ruas ou com Che Gue Varas sem revoluções alguma nada querem dizer,apenas estampam opções e induzem ao consumo.” Mas interpretar a aparência de antemão não é um motivo para julgamentos. Meu cérebro reflete desse modo da mesma maneira que meu joelho refletiria a uma leve martelada.

Levantei do banco a fim de caminhar na praça aproximando-me da velhota. Ao passar por ela, pude ouvir sua voz, mas não entendi o que dizia. Olhava para mim e repetia:
- Você acredita na morte?
Esperei para responder. A resposta parecia óbvia demais.

- Sim, é claro!
- Pois duvide. Ela existe somente para os outros e nunca para você.

Meu silêncio preenchia minhas respotas. Ela continuava:

- A morte é imprevista e incalculável. Até mesmo os enfermos terminais são pegos de surpresa.
- Não dá para advinhar a hora não é minha senhora? – Concordei com um sorriso-riso planejado que mascarava minha vontade de partir.
- Não mesmo querido. – Aprovava e retribuia meu sorriso com uma simpatia banguela. – Nunca teremos a consciência do que é o fim, o nada.

Perguntei: - Você acredita em Deus?
- Sim, claro! – Ela respondia sem pestanejar
- Então, assim como eu, você também perceberá quando a morte chegar. Se escurescer, terá a visão; Se desfalecer: imaginação. Se houver dor, terá o alívio.
- Não vai ter dor no paraíso?
- Acredito que não.
- Mas se a dor não existir, o amor não será possível. Perderemos também a saudade; E os poetas...
- Haverá desapego do passado e do futuro: A vida Eterna!
- Todos os dias eu agradeço a Deus por não ter que ser eterna agora; Neste instante, nesta vida.
- Senhora: Então aproveitemos
        Enquanto ainda temos
         A possibilidade de sentir

- Então vá querido! Vai! – Dizia com impaciência e uma sutil hostilidade –Dê uma volta e vá conhecer as árvores da cidade! Você precisa renascer.

Sorri espontâneamente por ter sido dispensado. Retomei a direção que inciara antes da conversa e distanciei-me dela. Contornei a esquina e decidi não voltar pra minha casa. Deu-me vontade de rever Tereza.

Àquela altura Tereza já teria passado um café. Pedi, peguei e paguei os pães. Subi a Rua de Tereza e bati na porta com paciência.

Ela desceu as escadas e abriu a porta para mim. Havia colocado um vestido azul, discreto, mas que a contornava inteira. 

Estava linda! Provocante, provocou-me enorme deslumbramento. Estonteei! 
E não poderia ser diferente: Tereza fez-me esquecer da velha senhora. E até hoje nunca mais lembrei-me dela.

11.2.12

Aos Montes

Alçar as ideias ao pico. Arrastá-las a força.
Puxadas e amarradas por cordas firmes e apensadas com nós; Todos cegos.
Laços elevados pel’argumentação

E eis que elas chegam ao sumo, ao cume; aonde tudo se conclui.
A aspiração de toda ideia é tornar-se uma certeza

Ao mesmo tempo em que as novas convicções nos alcançam
Tomam o lugar de outras que nos ocuparam por anos

A ausência de algumas delas tornam possível a confusão:
Entre ingenuidade e coragem;
Entre incertezas e ausência de respostas.

Mas ideias pesam e comprimem o pico cada vez mais
Por vezes afundam. Amarram-se aos pés

Não sabemos ao certo
Se depois de submerso
A respiração será possível

Mas a presença do incerto
Possibilita a descoberta do improvável
Embora também apresente a desconfiança

Por isso tomamos fôlego no último instante.
Prendê-lo-emos ao máximo.

Ao suprimir o ar dos pulmões
Deve-se arriscar respirar o desconhecido

Mas antes que se chegue ao inevitável

É preciso racionar o que se tem como certo

6.2.12

Porvir

Um corredor reto e estreito.

Iluminado apenas por uma forte luz presa no teto
há alguns metros de distância.


Somente a frente,
naquele único lugar iluminado,
podia-se ver paredes de alvenaria e um corrimão enferrujado.
O resto escuridão.
Intuia-se ser um local homogêneo.
Receosamente, ergui o braço e alcançei o corrimão.
Conduzi meus passos mais confiantes a partir dali.


O cheiro úmido
e o som dos gotejos distribuidos
eram percepções sentidas
pelos pés a cada poça que os afundavam.

Do meu lado esquerdo
não havia corrimão.
A proximidade
com a parede
não permitia
 que eu esticasse o braço.

Mas além de tudo e oculto
existia intrínseco, no âmago:
Havia uma certeza. E seguramente absoluta.


A claridade a frente indicava o existente.
Chão, corrimão e espremidas paredes de tijolos laranja-enxarcado.


O que não se via após a luz,
embora estivesse iluminado mas ofuscado pela própria intensidade da lâmpada ,
não fazia a menor diferença.



O único caminho a se fazer apresentava-se a frente.


Possibilidades
de surgirem do escuro
novas passagens
                                                                                 o fez ansioso para
logo ficar sob a luz.


Mas não poderia correr.
O corpo resistia heroicamente à vontade de avançar,
mesmo que não fosse apenas um livre arbítrio do corpo.
O ambiente coibia tal ação.

Os passos se seguiam
no compasso de  alguns regulares gotejos.
O ambiente era maestro.
Regia.

Cansado. Os músculos se sobressaiam
a cada movimento.
Repuxava.
Repiração molhada.                                        Mas estava certo e seguia por convicção.

3.2.12

Enche a Queca

Dores de cabeça que não passam. Latejantes: Arquejam e pulsam.
Dores por desejos latentes.

É tão difícil acertar quando o erro nos vigia de perto

Penso em situações em que o erro e o acerto são diagnosticados pela mesma atitude.
Antagonias se repelem, mas podem coexistir.

As pancadas dão voltas na cabeça:
Sobem, descem, espremem quando não encontram espaço.
Desorganizam o sentir e ressaltam o irreversível.

Relaxo o corpo e amordaço a alma.
Uso recordações na tentativa de trazer conforto
Desfaço nós cerebrais, despressiono.
Deprecio gostos que não me lembro.
Desapego-me do desnecessário.
Despejo inútil. A dor é mais presente do que eu.

Contento-me em ter percebido
Que vidas inteiras tornaram-se apenas memórias.

A dor me afasta do que é vivo
Enclausurando-me em minha cabeça
Idéias, falas oprimidas e lembranças omitidas
São agora pensamentos  pontiagudos.
Revelá-los não trarão outra coisa se não o prolongamento da dor.

Tiro proveito de situações
Curto as dores. Aprendi que sentir algo é manter-se vivo,
Embora, agora, eu aceite qualquer alívio que se ofereça.
Intensifico a vontade de superar o que fora intenso
E peco por errar comigo mesmo

Traio os meus desejos ao persistir conscientemente no erro
Traio os meus anseios ao considerar ambições alheias,
Ao relevar aquilo que me é inerente, intrínseco: exponho-me.
Faço-me frágil diante de mim. 
Traio-me ao permitir a permanência da dor. 
Ao consentir que ela se espalhe. Ao coibir a solução.

1.2.12

Diálogo de dois egos

- Mai... comé qui pódi Juão?
- Sei lá ué, sou assim mesmo. Não é poder ou não poder. É questão de acontecer ué.
- Mai você num fai nada pá mudá? Comé qui pódi si conformá? Si contentá assim?
- As coisas não são fáceis pra mim Martchiélo. Já fiz coisas muito boas e você sabe disso.
- Sei sim. Você foi uma grandi pessoa... sem dúvida.
- Tenho saudades sabia?
- Claro quitem. Mai o que passô só existi na lembrança. Só sérvi de confôrto pra nóis.
- Preenchia o meu dia com aquilo que mais gostava. Não sabia disso na época, mas agora sei.
- Amanhã vai achá qui o hoji tava melhó. E pur quê num si arrisca mais? Tá apegadão ao hoji? – risos
- Todos nós somos apegados ao hoje Martchiélo...
- Menus você, qui dórmi i acórda grudado cu passado.
- E você é diferente em quê?
- Pára com essa mania de se comparar porra! Si compari cum você só. Seja seu parâmetro.
- Comparações são necessárias. E inevitáveis.
- Eu achu qui você só olha pra trás, evita o qui virá e esgota o hoji cum falsos aprendizadus.
- Todo dia aprendemos algo, não fale besteira. Essa conversa simples, por exemplo, não te acrescenta nada?
- Claro! Mai é tão poco que acrescenta qui num dá nem pra percebê. - risos
- Se prestar atenção estamos evoluindo sempre. Querendo ou não. Qualquer coisa besta nos faz diferente do que antes.
- O qui to tentano dizê é qui a velocidadi da evolução é qui é importanti. Então observar os otro evolui te faz evolui junto tamém?
- De certa forma sim. Mas pouco importa a velocidade dos outros. Estão desesperados por reconhecimento. Todos uns vaidosos.
- Preféri a despretensão?! É a sua cara.
- Pelo menos dependo somente do meu reconhecimento de que as coisas estão estagnadas. Não busco aprovações.
- Você num busca nada. Ai qui tá! Só qué consomi as horas com o irreal. Devi ser legal viver esse mundão qui sua cabeça cria.
- Esse mundão aqui tem vários planos, está sempre criando, pensando, refletindo...
- I jugando o redór tamém. Suas idéias si divorciaram do corpo. Pensá é bom, mas num materializa. Vai morre tudo ai.
- Vai nada. Amanhã eu coloco tudo em prática. Se Deus quiser!
- Ele qué sim Juão! Vai dá tudo pra você sem tirar di ninguém.
- Amém!