29.9.11

Insônia

E mais uma noite com o mesmo problema. Insisto; persisto; viro de lado; reviro. O tempo caçoa de mim. Ri e troça. Tortura-me sem prazer nenhum. Me dita o tempo. O tempo medita: Um tento, dois tentos. Tento diversas posições enquanto o tempo escorre; travesseiros acima e abaixo da cabeça; entre as pernas. Descubro-me: faz muito calor nestas noites. Por fim desisto e novamente assumo que não venho tendo boas madrugadas de sono. Sem me levantar da cama, estico o braço e alcanço o controle sob o criado-mudo. Deslizo os dedos sob o objeto e com admirável talento no tato encontro o botão que me liga para a televisão. Passo, repasso e pulo os canais. Nas horas em que é preciso nunca se passa um bom programa na TV. Não sei se é o horário ou o dia da semana, se é o acaso ou meu plano de assinatura; sei que encontrei no máximo um filme bom dentre as outras reles opções. Mas não acordei para isso. Não sei nem qual o motivo de’u acordar justo agora!

Dúvidas pontiagudas me fazem sentir uma latejante dor-de-cabeça junto com um crescente mau humor que a faz aumentar pouco-a-pouco. Já estou cansado demais para filmes e mais cansado ainda para filmes hollywoodianos e seus efeitos especiais que não tornam o filme especial. Prefiro diálogos às cenas explosivas. Desisto da televisão. Há noites em que ela serve somente para iluminar meu quarto à meia-luz. Esta foi a função que mais utilizei nos últimos dias. Evito acender as luzes pelo incômodo que trará aos meus olhos, por isso deixo a TV ligada; quase sem som. Ela traz um tom quase azulado ao meu quarto e uma estranha sensação de que não estou sozinho. Acredito não haver desperdício em deixa-la ligada dessa forma, pois já tentei permanecer com ela desligada: a solidão foi iminente.

A pouca luz não me incomoda. Agrada-me andar pelo quarto quase escuro. Lembrar-me disso despertou-me por completo. Levanto e, como de costume nessas noites, aproximo-me da enorme e única janela que há em meu quarto. Sento-me na cadeira que há três dias está intocada. Não a movo dali porque minhas insônias estão cada vez mais frequentes e meu passatempo favorito nestas horas da madrugada é sentar-me nela e espiar o que se passa lá fora a três andares dos meus pés. Observo a erma rua pacientemente. O silêncio prevalece. Coisas ínfimas - tosse, passos, espreguiço – causam estrondos na madrugada. Engana-se quem pensa que o tédio impera nesses momentos. De fato, às vezes se esgotam as ideias, mas em quase todo o tempo os pensamentos se atropelam em minha cabeça. Intensos; Inesgotáveis. Interrompo-os todos quando percebo o surgimento de algum personagem em meu cenário. Fico imóvel como se qualquer movimento meu pudesse afugentá-los. É quase cômico o que se pode observar nestas horas. Existe um misto de medo e desconfiança em quase todos os semblantes. Todos com seus pressupostos criados por conta do horário.

Certa vez observei um senhor bem maltrapilho que caminhava com dificuldade. Decidi atuar junto com ele. Esperei-o alinhar-se comigo e o surpreendi com um curto grito. Devo ter gritado “VAI CARAI !” prolongando as vogais, mas não tenho certeza exata disso. O importante foi o resultado do grito. O senhor olhou rapidamente para todos os lados e avistou alguém que se aproximava por trás. Confuso, correu do jeito que pode até a esquina. De lá seguiu com passos rápidos e irregulares, sentindo a frouxidão de suas pernas causada pelo susto. Aquela cena me alegrou irrisoriamente. Voltei para a cama e sufoquei o riso com o travesseiro por medo de ser identificado por algum vizinho que acordara com o grito. Desliguei a tevê e esforcei-me para não ser notado. Ouvi algumas janelas acima abrindo e fechando logo em seguida. Naquela noite não sofri para voltar a dormir. Pelo contrário. Pareceu-me que o tempo todo estava com um sono insuportável. Mas hoje parece ser diferente.

Poucas foram as vezes em que dominei a insônia. Estou sentado aqui há um bom tempo e nada dos atores subirem ao palco. Mas não tenho pressa. Acabei de voltar da cozinha. Coloquei uma água no fogão para preparar um chá. Ajuda-me a esperar o melhor da noite.

Eis que se inicia o primeiro espetáculo de hoje. Um homem vem discutindo com um cachorro que o segue de perto. O sujeito fala alto; grita. Distingo algumas palavras suas e percebo que está ordenando ao cachorro que se afaste. Usou de todos seus argumentos para convencer o vira-lata e não obteve o mínimo de sucesso. Talvez por isso tenha decidido chutá-lo. O cachorro rolou na calçada até cair na rua. Acredito que o homem sabia que ninguém o observava; Não sofreria julgamentos por aquele ato. Penso que tenha tido realmente a intenção de causar dano ao cachorro. Aquela cena em quase nada me atingiu. Não me causou pena, raiva, alegria ou sentimentos relacionados a impunidade. Somente pensei, por um breve instante, que a ausência de um observador pode aflorar uma parte adormecida de nós.


De onde ele estava conseguiria enxergar-me, mas quase ninguém tem o hábito de atentar-se às paisagens acima de nossas cabeças. Esta noite ele tinha um telespectador e não sabia. A cena continuou. O cachorro, depois da queda, manquitolou de início, mas de supetão avançou nas canelas do homem, mordendo-o por trás. Ali começou o auge da peça. O homem tentava se livrar do vira-lata ao mesmo tempo que pensava em fugir, mas não poderia, o cão já estava anexado pelos dentes. Finalmente, com um movimento bruto, o homem livrou-se do cachorro. - Uma grande luta! - Podia sentir o rosnar dele daqui. O homem passou a respeitá-lo a partir daquele momento. Usou de velhas artimanhas. Ameaçava lançar pedras que fingia colher do chão. O cachorro permanecia imóvel; latindo; espumando vingança.  O homem prosseguiu seu caminho andando de costas, sem desviar o olhar do bicho, sempre de frente para ele que de início o acompanhou, mas o deixou distanciar. Perdi o homem de vista. Passou uma idéia esquisita em minha cabeça, deu-me vontade de ir à rua e adotar o furioso cão. Identifiquei-me com ele. Mas não encontrei a chave da porta e poupei-me do esforço que seria procurá-la. Fechei as cortinas do teatro, preparei o chá e tomei-o deitado na cama. Cozinhei ainda por algum tempo e sem escolha acabei por adormecer. Quando acordar serei eu o ator da vez. Qual será o enredo que ainda nos espera? 

28.9.11

ÁVida

Faz de mim o que bem quiser
Não sente vontades, desejos, remorso
Randomiza os meus planos; atrapalha-os enquanto oferece outros
Nem sequer experimenta o prazer de tamanha autoridade
És ambígua, exata, ardil, viril e decadente
Ganharei a liberdade quando se enjoar de mim
Liberdade escura, tediosa, sem movimentos, sem enlevações; Eterna.

22.9.11

Erro


Atitudes são apenas atitudes,
Ações e nada mais.
Tornam-se errôneas ao fugirem de um modelo de ideal.


Modelo que é criado por um grupo e vários outros grupos coexistem simultaneamente, criando modelos que se opõem aos outros por uma questão de sobrevivência.


Errar, portanto, é fugir de um modelo pré-estipulado.
Errar é conflitar com o absoluto, é opor-se ao molde e aos rótulos. 
É abdicar de um caminho retilíneo em que é certo que se o seguirmos nada de excêntrico acontecerá. Mas traçar caminhos é tão recompensante.

16.9.11

ATLÂNTIDA

Desapareceu ao mergulhar e nadou na direção de onde nada se via. Esforçou-se para ganhar velocidade, mexendo rapidamente as pernas e os braços, e somente quando não pode mais aguentar a pressão que perturbava seus ouvidos largou o corpo e aguardou o seu retorno. 


Tudo era escuro ao seu redor, nada se definia pelos olhos. Algumas vezes sentiu passar algo entre as pernas, agitou-se assustado pelo desconhecido. Não suportava mais aquela água enlamaçada que o incomodava quando mantinha os olhos abertos e, por isso mesmo, resolveu de olhos fechados criar a sua própria paisagem.


 A temperatura da água o impedia de imaginar-se num local quente. Mas, em alguns momentos, esquecia-se que estava submerso. Avistou objetos sem forma, pessoas disformes e em constante movimento. Corpos dançantes. Uma dança ditada pelo ritmo das águas. A definição de paisagem que sua mente criava era particular daquele mergulho. Uma imagem única e irrepetível.

A falta de ar começava a lhe encher os pulmões. Percebia que seu corpo mal se movia e que perdera totalmente a noção da direção que deveria tomar. Tudo era igual, isótropo. Não ouvia mais nada além de seus gritos abafados e não propagados. Estava preso e sabia que ali estava o seu fim. O corpo lutava desesperadamente pela sobrevivência. Sua mente era somente ação. Não mais refletia sobre os problemas iniciais que o levaram a mergulhar até ali. Seu afogamento tornara-se a prioridade dentre os outros incômodos. Cansou de se debater e parou, por alguns instantes, quase inconsciente.

Percebeu um leve arrastar do seu corpo numa determinada direção. Sem tempo para paciência, aproveitou essa oportunidade concedida pela água e nadou na direção indicada. Enxergou um tímido clarão. O feixe de luz indicava que a superfície não tardaria a chegar. Lutava para fugir do refúgio que ele mesmo descobrira. Mas sentia que já era tarde. Não havia mais ar em seu peito, músculos e mente. Exausto, perdera a noção do tempo; não havia mais tempo!; nem o passar do tempo. Não havia mais problemas e não procurava soluções. Só existia ele, o desespero e o improviso.

Emergiu!

15.9.11

INtervalo

Então realmente existe este lugar estreito e imensurável?!
Um lugar vago que enquanto vago é certo que nos traz certa melancolia.
A sorte é que somos muitos. 
E desses muitos sempre existirá alguém para alocarmos.
O problema é a fácil confusão que poderemos fazer: Encontrar alguém que pareça se encaixar perfeitamente neste espaço não é o sumo de encantamento, mas o sentimos como se fosse. 
O engano mora ai.
Locupletar-se de êxtase é possível somente quando não se admite mais nada nesse lugar.
E há pessoas que, sem perceber, deixam vãos.
Aquele que não é cabal é completamente insatisfeito.
Abastecemo-nos com vidas alheias.

6.9.11

SUBMERSIVO

Há algum tempo que me esforço para que os meus dias se encerrem depressa.
O pior de tudo é saber que o dia seguinte será exatamente igual ao dia que agonizo pelo fim.
As mesmas incertezas; as mesmas necessidades.

Existem fraquezas que te tornam mais fracos se expostas.

A ira torna-se veemente com o passar das horas.
Minhas inquietudes transbordam e já não cabem mais em mim.
Exteriorizar esta melancólica submersão torna-se-á, sem dúvida, uma má impressão resultante de uma inevitável reação violenta.
Procuro uma causa para explodir. Preciso dizer injúrias com a boca cheia!

Mas por hora prefiro ficar recluso para que as minhas possíveis atitudes não se tornem uma base futura para acusações de minhas potencialidades.
Não sou assim. Não sempre.