26.3.12

PARTE I – MEMÓRIA BRUTA

A vida bruta.
A soma de todos os pormenores não é armazenada pela memória.
Portanto a vida bruta não é igual a memória bruta.

O nosso natural amadurecimento é prova
De que não esquecemos de tudo que vivemos.
Mas a memória reduz as dimensões da vida.
As horas idênticas se aglutinam
E as rotinas passam a ter, para a memória, a duração de um único e longo dia.

Uma redução cabível à nossa capacidade, uma adaptação às nossas limitações.

Não há esquecimento por nossa parte
Apenas há-a-não necessidade de lembrarmos de todas as repetições
E/ou uma falta de habilidade para distiguirmos horas tão semelhantes.

Por isso damos importância aos pormenores.
Os detalhes ganham enorme encantamento.

Não lembrar da união cronológica dos nossos segundos até a idade atual é doença que traz vida.

Apesar da intensidade do não-vivido
Sabemos que haverá um descarte natural da maioria dos próximos momentos
Por conseguinte, valorizamos o que ainda não se viveu.

As próximas horas serão mais importantes do que os zilhares de segundos que já consumimos.

Tento compreender o que foi retido para consumir o inabitável.

20.3.12

Capricho

Retroceda à criação ,
Conserve a perturbação e transforme-a em artes depreciativas.

Melhor não ler livros antes de escrever
Ou ouvir álbuns dum mesmo estilo antes de compor
Semelhanças óbvias serão expostas
Melhor é não se envolver para redigir
Pra não reencontrar o que já não se lembra

Para seduzir ao engano é preciso dissimular
Tentativa vã de não se traduzir as ideias,
de não transluzir o que se pensava ao escrever esta palavra(exatamente esta!)
Também é válida a falta de pensar que há-na-não correção das frases tortuosas

Enganar o leitor mais do que enganar a si mesmo
Assim mesmo! Dizer nada sobre o nada.

Sobre a falta de intenções ortográficas
Contra a inspiração que se esconde
e que confronta
contra
o ânimo em sair do ócio

Apenas ceder ao capricho de querer
Encher este espaço de letras.

4.3.12

A Ventura

Desde o início sabíamos da entropia
Por mais prazer que uma desordem traz
Sempre causa estragos quando se acaba

Pelaventura que tornavam os segundos mais extensos
Pelasensações insólitas trazidas pelas madrugadas
Era capaz de afirmar ter sido apresentado à Felicidade
Sentia seu afastamento tornar o que era normal em horas saudosas

Mas a distância,
Que antes eram promessas de um breve reencontro,
Agora me despedaçam com violência

Pelalegria que tornava o todo irreal
Pelosentimentos que desorientavam
Pela culpa em me sentir mais feliz que os arredores
Era capaz de supor memórias que não morreriam

Abrir mão de bons momentos
É também perder os parâmetros
Pois a noção de felicidade
Faz o cotidiano parecer monótono, vazio, triste
Mas sem as comparações a realidade torna-se insustentavelmente leve

Está ai o ponto-de-partida de uma fuga:

Não conviver com o melhor
Faz a angústia perder o peso que teve