27.11.12

Vestígio

I

Em uma neblina intensa
Continha meus medos
Contava meus sonhos
Conteve medonhos astros cadentes que mal via

É possível ver a beleza no escuro

E uma neblina tensa
Cobria meus pés
Forjava meus passos
Forrava meus rastros, pegadas apagadas que me esquecia

É possível ser passível sem passado



II

Ligeiramente estranho,
estranho a mente.

Enquanto tênue,
Tento ser tenaz.

Conhecida a dura condição
de admitir-se passageiro

Embora não queira ir embora.



III

Um breve grito extraiu-me do repouso
Assustado, reagi
Não pude evitar o brusco movimento
Incalculável, imprevisto

Em troncos encontro o conto duma vida

Um breve risco limitou meu Estado
Demarcado, coagi
Jamais permiti requerer fronteiras,
Divisórias, discernidas

Desejo o estado de sentir-me estrangeiro

21.11.12

Cores

Quando apaixonado
Fico em uma espécie de embriaguez
O que afirmo parecem histórias absurdas
O que digo soa com um desproporcional exagero

Minhas verdades se expandem peito a fora e parecem irreais quando escapam de mim
Minha língua perde o filtro e o que penso vai logo saindo pela boca, pelas tintas no papel

Tintas que percorrem o caminho indicado pelas mãos
Mãos que soltam frases intrínsecas;
que desejam se enlaçar com a mão amada 
para abdicar de toda fala escrita, pois escritos dão margens à confusão

Por isso digo! E as vezes me arrependo pelas minhas verdades serem tão fantasiosas
Mas que culpa tenho
se não vivo mais entre os que apreciam a realidade tal qual ela é?

Compartilho uma espécie de sorte
Um sentimento feito fogo, que hipnoticamente queima, arde
E que promete se apagar,

Mas o ensejo encontrado compensará o fogo
Com mais matéria para a combustão

Sentido incontrolável e talvez imaculado 
Feito um riso instantâneo provocado ao ver um constrangedor tropeço alheio

A vida e seu conjunto de coisas, com suas incontestáveis qualidades reais
Perdem o brilho da imaginação.

A realidade me soa miserável, morna
Um painel colorido com cores já conhecidas, já muito vezes usadas

Quero esgotar do indivíduo
Sugar todas as possibilidades para fartar o que não se sacia

Tornar-se indiferente à realidade dicotômica
Que divide a vida em antagonismos

Apesar de estar nela, vivo uma terceira opção
E entre o feliz e o triste; entre o real e o excessivo - escapo

Sou apenas Eu.

Apenas porque já me fiz pouco
Este pouco que é inverso e
que não representa o muito que me habita

O mundo que em mim reside revoluciona
Impõe que o escasso não seja permitido

Ser Eu pode ser suficiente.

13.11.12

Dose


Enchi meu copo

Fiquei a observá-lo, refletindo sobre nada.
Refletindo sobre o líquido que me refletia.
Estava silencioso, sentia-me quase pleno.
Faltava apenas um copo para me preencher

Sentimentos tomados num só gole
Saboreando o gosto entre os dentes

O teor da bebida não é ruim,
Mas fixou em minha face uma careta incontrolável

O sentimento que guardo
Revela-se de outros modos, inclusive o pior deles.

Denuncia-me
Feito uma pele clara que se ruboriza;
Feito sobrancelhas que se inconformam;
Feito manifesto que não se calcula;
Feito um relógio quebrado que fatalmente se acusa
Traídos pelos próprios ponteiros que confessam a última hora alcançada

Assim estou eu
Com os ponteiros parados enquanto o tempo corre

Com careta azedume
Mas com gosto de mel na boca

O fundo do copo agora vazio
Não mais possui reflexão de imagens
Ingeri-as todas

Enchi meu copo

Fico a observá-lo...
Olhando-me... Profundamente... Através dele...
Enxergando o que sou, e o que deixei de ser após o último copo.

Mirando o fundo
Percebo a possibilidade de novamente ser outro

A capacidade de me reinventar
Será sucedida pela incerteza do porvir

Feito um ser perdido que encontra à frente uma encruzilhada
Voltar jamais. Deve-se escolher:
Mas qual dos caminhos o levará a algum lugar reconhecido?
Qual dos caminhos o fará mais perdido, disperso, espalhado pelo mundo?


Fitando o copo
Reflito sobre a minha imagem refletida
Encaro-me demoradamente para me recordar
Para não me esquecer do último que fui
Para não me esquecer do último que continuo sendo até virar o próximo copo

Que ainda continua cheio...

Que ainda continua com o meu último eu
Refletido na superfície

6.11.12

Alterar

O caminho carinhosamente aconselhado
Inflama a ansiedade


Na tentativa de encobrir um segredo
Há a culpa


Do excesso cometido perante aos olhares a espreita
Nasceu o incômodo


No incontido proferido aos quatro ventos
Escapa o íntimo


A falta de esclarecimento
Insinua