E
se resolvesse assumir-me para o mundo,
ser
militante de mim, afrontar?
Cansei
de fingir não ser doente, não sermos todos.
A
todo tempo nos perguntam: “Você está bem?”.
Pergunta
vazia, nós bem sabemos, apesar de carinhosa algumas vezes.
Como
respondê-la,
assumir que estar bem é consentir com o mundo?
Portanto não estou bem,
com essas as pessoas que nos cercam,
mantenedoras da ordem, alguns mantenedores fervorosos.
Uma ordem em constante mudança
e
em constante conservação das recentes conquistas.
Seja
pelo uso da força e violência justificada
ou
pela opressão silenciosa e histórica
,algo
é mantido. Por uma multidão.
Que
estranho é vestir-se todo de amarelo entremeio
um amontoado de pessoas vestidas de azul.
Imagine
mesmo!!
A imagem é pobre, eu sei, mas imagine-se sobre uma colina, em qualquer parte dela,
com
muitos ao seu redor, todos
vestidos de um azul-marinho único e você todo de amarelo.
O
que faria? Teria que fazer algo certo?
Estranho
sentir essa necessidade de manifestar ação
perante
a uma percepção do
que o todo coletivo faz.
Há uma força sugestiva. Pesada, que resiste à vontade
de viver.
Uma
etiqueta de comportamento; de fisionomia; de corpos modelados e parecidos;
de
talheres sobre a mesa, gostos sem texturas;
o saciamento causado pela bajulação do ego; a negação da morte;
o
culto da alma em demérito do corpo; o ódio ao prazer;
a
liberação, aos poucos, do que se permite fazer sexualmente;
as
vidas inscritas nos livros; a arte como decoração;
uma vida virtual incrivelmente feliz; o corte de cabelo;
o
não conhecimento das pessoas que moram no seu quarteirão,
na
sua rua, no mesmo prédio;
o
bom-dia dito numa espécie de oi matinal;
o
“fica com Deus” ser recebido como um abraço;
o
uso de roupas, com a finalidade de esquentar e proteger quase esquecidas;
a
domesticação e o excedente necessário de carnes no mercado;
os
tributos; a família; os feriados;
os
empregos;
as
saídas de sexta-feira a noite; as dormidas no domingo;
os sete dias da semana ao invés de dez com três semanas no lugar de quatro, os doze meses.
o
reconhecimento imediato de riquezas;
Empenhos
por recompensas;
a
entrega de frações de vida a seres mitológicos;
a
fome prática, que alimentada diariamente, sustenta uma alta movimentação
monetária
na
qual não participa;
a
necessidade de termos tutores;
São
vontades e preocupações extra corpo, fora do material.
São
concessões diárias que fazemos sem perceber. Ou mesmo que se percebam algumas,
ainda
estaremos cedendo em partes encobertas. São tantas.
E
mesmo que se quebre uma ordem, faremos outro pro lugar. Mas não importa.
Desde
que se mude os aspectos que nos cerceiam.
E
se resolvêssemos afrontar o mundo?
Mesmo
que seja de uma maneira prática e individual.
E
se resolvesse assumir-se para o mundo, ser militante de si?
Que
mundo teríamos?
Manteria
muita coisa? Experimentaria?
Talvez
esteja ansioso
para
viver hoje um mundo que não será hoje.
São muitas as pessoas alheias à manutenção da ordem e do progresso
e que a sustentam.
E de uma maneira que só se lembram das dores ocasionalmente.
Permito
ficar bem sem consentir com o mundo,
sem
estar bem,
viver
apenas o que está ao alcance das horas
e
abstrair-me da resistência ao novo.
Mas
antecipar a história
é
tentativa abandonada que me corrói por dentro.