11.6.17

Ator do Ato

Sobem ao palco os atores. O enredo é desconhecido do público. É noite de estréia!
De imediato, percebe-se que o elenco jamais contracenara junto. Uma espécie de amadorismo deixava a todos da platéia com aguçada atenção. Até as pausas para respiração eram interpretadas, mas não era possível saber se os detalhes estavam ensaiados ou eram gestos distraídos. A peça realmente confundia os ansiosos por desfecho.

No segundo ato a iluminação contribuiu para o mesmo. Aquela que parecia a personagem principal era muito mal iluminada para tal. Ficava muito na penumbra. Seu ombro era mais visível que as expressões faciais. As luzes acendiam e apagavam, direcionando os olhares e permitindo que se entendesse o que quisesse, o que causava ainda mais confusão. Não houve diálogos. O único som que se ouvia era um pequeno estalo dos interruptores ao fundo, que faziam atores e atrizes sumirem e surgirem. E quando a vista já cansava por tamanha movimentação dos olhos: Escuro!

Uma voz no centro do palco anunciou “Sou EU! quem ela quer”. Outras vozes responderam após um pequeno intervalo “E o que você quer?” “Por ainda não saber, quero que ela não queira”. A confusão no enredo se desenrolava sem nenhum constrangimento, mas aquela cena no escuro - ou a falta dela - dava a impressão de falha técnica. Um cheiro de borracha queimada invadia as últimas fileiras.
Mas era bem possível que aquela coisa mal arranjada fosse ensaiada. Quem é que sabe?! Um novo estrondo no interruptor fez acender apenas uma luz, iluminando o local de onde saíra a voz. Não havia ninguém. Um tablado iluminado encerrou o ato.

O restante do espetáculo prosseguiu com essa precária iluminação. Os atores, talvez para disfarçar atuações, davam o texto no escuro. Era uma peça ousada que não se sabia bem se chegaria onde desejava.
A partir do terceiro ato aumentava a vontade de abandonar as tentativas de entendimento e de curiosidade sobre o resultado daquilo tudo, a poltrona parecia não se encaixar mais nas costas, aquele breu sufocava os sentidos. Faltava autenticidade na volúpia e veracidade no desejo. Faltava convencimento nas palavras ditas e coragem para os atores. Faltavam peças para entender e sobrava vontade.

Os portões da rua irromperam trazendo ar aos pulmões. A peça seguia com cada vez menos público. Sobraria algum ao final? Poderia algum ator descer e passar-se por platéia por necessidade de preencher cadeiras, por necessidade de espetacularizar o íntimo, por trazer notoriedade ao banal? Jamais saberei. A rua me atraiu por ser inteligível. Desejava tatear o prático.
O fim do espetáculo sucedeu sem que eu o presenciasse. O meu entremeio prosseguiu sob leve interferência daquele enredo. Com um novo incômodo como herança, um pensamento de fundo, constante e discreto, que já me direcionava mesmo que não percebesse.
Espécie de sorte que randomiza o juízo para reinventar a ética que absolve futuras e inevitáveis escolhas.