18.11.13

Correnteza

Sou levado:
sem rumo, sem remo, sem força, obra ou manobra
que desfaça esse arrastar que vaivém.

Esse licor quase sem gosto
que na mesa, diante de mim, é posto
é abundante e vigoroso.
Dele bebo e me afundo.

Fujo pra fugir do mundo,
para que ele fuja de mim também.

Viramo-nos ao contrário
e partimos.

Mas o pior é que
mesmo saindo os dois juntinho e de fininho
é capaz de nos trombarmos ali, já na próxima esquina.

Êta mundo todo que foge pra dentro de mim.
Mundo besta!  Só se for...
Que confia a mim possibilidades de mudanças.

Voz do mundo que ecoa,
Voz clemente, afoita, aflita.
Mas a voz do meu quintal grita.
Voz manipuladora que abafa as concorrentes.

Tomo murros
por não definir o lado da esquiva.
Sou levado pelo irrequieto.
Vida apressada, regressiva.

Vida que bate e rebate no meu peito
Que me arrasta por fora,

E me desloca por dentro.

13.11.13

Turvo

Sinto vontade de escrever. De exprimir o sentimento que calo, 
para que não me pode mais, 
para que pare de me demolir.

Dessa vontade,

Saem palavras 
sobre o não compreender profundo do que se passou,
sobre o que passou, o porquê dos acontecimentos.

Saem palavras 

ralas e rasas. Mas não escassas 

Lindo é o conjunto de letras que se pode arranjar,
Lindo sentido incutido, arquitetado, desenho gravado.(?) 
Esboço gravado.

Mesmo com a excessiva quantidade de palavras,
de caminhos e possibilidades... 
São ideias que se traduzem através delas;
Lindas palavras, podem ser, 
mas ralas e rasas.

Notas desafinadas timbram o papel.

Palavras não podem descrever o todo, o que nos é desconhecido.
São inúteis contra a inóspita ideia-inexplicável.

Dessa forma, 
Saem palavras,
Saem dilemas.

Descrições de um estado momentâneo e passageiro
Podem soar perpétuos ao saírem de nossas cabeças.
As palavras com timbres tristes, pesados.

Poema que homenageia o estado passageiro 
que adoece a alma.

Gosto dos poetas que escrevem tristes. 

Gosto de suas palavras.
Há momentos em que me sinto neles.

Tenho um surpreendente alívio egoísta 

ao saber que não sou o único a provar desses sentimentos.

A tristeza é uma grande artista. 

Soube, que em breve,
fará uma nova exposição nos melhores museus da cidade. 

24.10.13

Caído em desuso

Chora o velho artista
Cansado de parecer completo.

É velho
Com racionamento de atividade agindo nos músculos;
Com vontades e coragens joviais
Mas com respiração rija e bronquitosa.

Anda por sua casa rodeada de lembranças
Acha na estante um vinil antigo 
Põe para rodar em sua vitrola de sensações

Aquelas lembranças soando através da bela melodia 
Linda e já tão distante.

Como estará aquela moça 
que se apegou às melodias tristes e distantes?

Um belo disco estala ressoando as notas do tempo 
em que a vida esteve presente e intensa.
Agora,
é apenas um passado marcante.

Chora o velho artista,
com sua criatividade impedida pelos músculos fracos e imprecisos.
Por sua frequente falta de inspiração.


Um vazio o preenche
Chora por não saber ao certo o que lhe falta.

Enxuga as lágrimas ao som de suas memórias.
Ao som que o levou a lugares, à momentos revisitados.

A música troca. É animada e o embala. 
Aquele antigo Jazz o faz abrir um sorriso sacana, malandro.

Onde estará aquela moça 
que se apegou aos momentos animados
e já tão distantes?

Uma breve e alegre nostalgia o toma.

Nostalgia alegre? Nostalgias são quase sempre tristes.
Faz parte de sua essência.

Chora o velho artista. Sorri.

Chora por ser velho,
Por estar novo e ser velho.

Chora pela comparação desleal. 
Por reviver na memória seus melhores momentos. 
Por saber que ainda vive 
e que, por ser velho, já deveria sentir-se completo.

Já não há mais tempo para acertos e para erros
Há somente tempo de sobra
para re-análises

1.10.13

Pensamentos da Despensa

A pressa, espessa,
Atirou-se violentamente contra a parede.

Escorreu pela fenda 
Que fora aberta pelos pensamentos aflitivos.
Penetrou na mais profunda calma espirituosa
Sacudiu!!

Casulos Rompidos

Metas e caminhos se apresentam, 
Por todos os lados, como raios luminosos. 
Claros e Infinitos. Que cegam. 
Que atordoam

O peito se estende; Alarga.
Defronta e confronta.

Escudo frágil que se atreve.

Encoraja a vitalidade 
A depositar mais fé sobre si mesma.

Uma vitalidade determinada.
Indispensável

6.9.13

Madrugada

Quando os sonhos me visitam
Deixando, amena, a saudade que sentia,
engolindo-me para dentro da própria cabeça
já é madrugada.

Quando os braços 
- num último resquício de plenitude dos sentidos, reúnem meus pedidos e procura-os -
esticam-se ao máximo. Acham o vazio.
Descobrem-se pouco e curtos 
Você longe.? Não.

Quando o sonho te inventa admitindo a sonolência
Já é madrugada

Não quero sonhar com lindos campos verdes, viagens.
Não quero criar sensações de ilusória alegria
se lá você não estiver

Mas o " quero" não exerce influência sobre os sonhos.
Ainda assim,
numa camada mais profunda que não se pode explicar,
sem intervenção da vontade, 
procuro-te.

E já é madrugada quando a distância, 
embora mantida, anula-se.

Vejo-te, ouço-te, falamo-nos.
Lindo encontro que se passa em minha cabeça. 
Nada longe. Está aqui.

Horas se derramam tranquilamente 
e passeios, encontros, são cinemas marcantes que se passam.
Noite que finalmente adormece.

O despertar...


Chega o despertar.


O despertar não se torna 
ruptura inconsolável ou sonho inatingível.
Faz-me um apressado 
para reviver o sonho de forma real.

A cada novo despertar
Recebo vida descansada 

Inédita vontade de tomar o que me é oferecido,
De romper a madrugada 
de vivê-la

de entregar-me e ser entregue na manhã seguinte
Acompanhado, unido 
até a última camada de meu pensamento, do que sou

13.8.13

Cigana

Minhas palmas estavam esticadas, nuas.  Quando percebi estava exposto.

- Consigo ler suas mãos! - Disse a cigana deslizando os dedos sobre os riscos da palma

Realmente as leu
E curiosamente entendeu
com uma absoluta clareza aquelas riscas, minhas, que nunca me disseram nada.

Desvendou meus trajetos não traçados,
mas não citou com quais trejeitos os realizaria.
Decifrou o futuro e entregou-me os problemas e soluções.

Convenceu-me pela sua inabalável convicção. Invejei-a.
Aceitei pagar-lhe moedas apenas para me punir por não possuir igual verdade.

Mas deixei-a sinceramente agradecido
Saí mais convicto. 
Tenho agora a certeza de não acreditar nas linhas das mãos.

6.8.13

Contínuo

Não percebia que prosseguia, mesmo parado.

Estava estacado, 
mas o tempo passava sob seus pés e puxava-o feito uma esteira rolante
Carregando-o, cada vez mais, para perto de si.

Mas o tempo é inalcançável

29.7.13

Atracção

Tenho muito mais em mim
que uma tinta e papel possam descrever.

Mergulhar no escuro de cabeça
E fazer isso do jeito que me vier como vontade
(e não do jeito que me vendem como prioridade)

Em alto-mar é preciso saber conduzir o barco.
E nessa minha condução, sinto-me um aprendiz de argonauta

Não me guio pela orientação dos sábios 
e minha bússola não indica os pólos

Minha religião não deposita fé em maniqueísmos 
e minhas dúvidas não sabem em quem confiar as respostas

Quero alçar as velas e atracar-me num lugar seguro.

27.6.13

Fermento Vencido

O mundo que vivo
Lugares que piso
Perigos que viso, que evito, que exito


Que existo... para que oras existo?

O mundo pode ser de escolhas, de persistência silenciosa

Podemos fazer escolhas, pois oportunidades não nos faltam
Não nos falta vida para fazê-las.


Talvez não falte...
Nem a coragem para vivê-la; Nem a preguiça para originar desinteresses


Nem o incômodo que nos chacoalhe o suficiente para agir e
Nem o conforto que nos faça, sem ansiedade, aguardar esse incômodo


Talvez não nos falte nada

A não ser a percepção que a vida é esta!
Esta de agora
que o fez ler este texto ao invés de ir ao mercado
que te manteve na internet ao invés de tirar um cochilo.


Mas sem condenações pelas escolhas feitas e já vividas

Apenas a pequena, simples e ordinária percepção de que as próximas escolhas
poderão mudar-nos profundamente.


Tenho acordado com uma vontade de mudar o mundo
E tenho dormido com uma inquietação maior que a do dia anterior

17.4.13

Artista

Um rapaz doido. Quase normal (se não fossem os últimos dias). Fazia pouco tempo que havia adquirido a loucura. Por isso ainda era quase doido (ou quase normal).

Adequava-se ao meio-fio capengo, andava com equilíbrio ébrio.
Não se importava para o lado que tombaria,
não se importava nem com a continuidade de seus passo sobre o meio-fio. 
Mas cairia,
sobre a loucura ou sobre os pés da normalidade.

Andava; Maneja o corpo contra o vento; Mantinha-se vivamente indeciso.

Formulava frases subjuntivas.

Se caísse para a doidice viveria diariamente o não aceitar da vida,
julgaria a normalidade insana
e seria julgado insano
por julgar insano o que todos afirmam ser normal.

Caiu.
A falta de equilibrio não permitiu o adiamento da queda.
Caiu e deitado permaneceu.
Mergulhou para o lado da loucura. Afundou. Aprofundou-se em seus pensamentos. Todos insanos. Saudavelmente insanos.

Voltou pra casa, despejou o pote de açucar na privada e deu descarga para adoçar os encanamentos. Abriu as portas do guarda-roupa e procurou o que não havia. Encontrou.

Foi ao encontro da parede e abraçou-a sem unir as mãos. Sentiu o abraço gelado, retríbuido.
Ferveu água e botou-a no freezer para calcular o tempo até o congelamento.

Sentou-se agitado,
assou o nariz na barra da calça jeans que usava e despiu-se das roupas, da vergonha.
Ligou a TV e transou com um programa de fofocas, gozou na cara da apresentadora e gargalhou.
Sentiu nojo dela, das notícias quase necessárias. Assim como ele, quase necessário.

Jogou a TV no chão e apalaudiu o curto espetáculo das faíscas. Dançou sobre os cacos de vidro e, com um deles, rasgou uma das mãos. Tingiu as paredes do quarto com o desenho de suas palmas.

Plantou bananeira; Chorou desconsolado; Deu cambalhotas no sofá; Regou as plantas da vizinha; Mijou no retrovisor d'um carro importado estacionado em sua rua;
Chamou a atenção.

Voltou, pegou o violão e compôs a música mais bela que ouvira nos últimos cem anos.
Sorriu completo. Estava batizado.
Sentiu-se um artista. Tornou-se um...

3.4.13

Dança do tempo

O tempo passa de maneiras diferentes.

Cada dia demonstra ter um andamento, um poema contido.
Parece haver variados estilos musicais que permeiam o dia.

Da valsa ao punk, oscilamos. Do soul à rockabilly, dançamos.
Pelas diversas nuances de sinfonia, sentimos-nos discretamente influenciados.

Dou sinais que repito o velho ditado: “dançar conforme a música”. Mas a percepção pode ser diferente. 

Nem sempre sabemos os passos da próxima dança. 


Guio-me instintivamente pelo ritmo;
as pernas frouxas tentam bater os pés conforme o andamento.
Tento não cair, aprender depressa.

Examino os hábeis dançarinos 

como se a observação pudesse ensinar-me algo. Todos eles, por cansaço ou falha na destreza, 
esfolaram-se por quedas causadas pelas danças anteriores. 

Mas parecem-me, agora, animados
por terem conseguido esquecer-se das quedas 

que ainda hoje sofro.

Aproveito ambos os tempos e contratempos que o Tempo me obriga.
Aproveito-os porque os aceito. Pois aproveitar pode ser apenas
utilizar-se da situação
por falta de oposição ou de opção.

Aproveitar / dançar conforme a música, nem sempre significa tirar proveito.
As vezes não me incomodo em ser aquele garoto tímido apoiado na parede enquanto rola o baile da escola.

Eis um desejo que gostaria que se realizasse! :
(um desejo insano e improvável)

A pausa do tempo.(No tempo)

Pausa sabática. Tempo estagnado para uma longa meditação.
Uma interrupção que mantivesse minha idade, conservasse minha saúde já gasta
e alterasse apenas minhas certezas e ideologias.

Refletiria sobre o que sou, 
sobre o que são os outros,

sobre o que somos quando juntos,
sobre mudanças e negligências, abandonos e permanências.
Talvez deixar de contar com algumas esperanças.
Aprender a ser, na medida certa, receptivo com a realidade, 

mais verossímil com meus devaneios
e, talvez, não cobrar tanto da vida. Talvez.

Tiraria conclusões e seguiria adiante mais confiante.
Alcançando uma maturidade velha quando a interrupção terminasse.

Não precisaria tornar-me velho para descobrir
o que deveria ter feito enquanto novo,
enquanto hoje.

Mas o tempo não permite tal privilégio.
Ele se estica e arrasta-me puxando pela perna. Não quero ir, mas vou.

Ele é forte, imenso, ininterrupto, intolerante e imaginário.
E eu... Eu fico
e passo
ao passo em que perco a contagem dos meus segundos. Fico e vou.

28.2.13

Pára Deus

A vontade do adeus! Adeus!
Ao Deus, digo foda-se. Duvido você existir!
Du-vi-do! - risos

Duvido você me anular, extinguir-me,expulsar-me da memória alheia
e fazer com que todos jamais saibam quem eu fui.
Consegue?
Há! 

Tem alguém surdo ai??? Ca-cete!
Esse cara não conversa com niguém que não tenha bata-e-ezquizofrenia?
Hei! Tô aqui!

Desafio você a fazer tudo isto !
Tudo isto enquanto Eu vivo! 

Fazer com que todos me esqueçam e que eu viva o meu próprio esquecimento – E em vida!

Ah! E não quero que me expurgue 
para dar de exemplos aos outros.. Isso é golpe baixo.
Isso não vale... Seja justo ao menos comigo...

Largue de ser covarde e de esperar que eu morra para me punir! 
Bundão!
Desafio-teagora! a demonstrar a força que parece ter. Que dizem que tu tens... UUUuuuU Que medinho...

Tem essa porra toda ai mesmo? 

E olha! 
Eu me entrego ... Veja só...
Eu me entrego como cobaia para que prove sua capacidade de ser mal, humano e vingativo

Vai me dizer que é de levar desaforo para casa??? - risos
Você é tão patético cara...
Tanto quanto Eu!

Provoco-te com indiferença, 
E nada me ocorreu enquanto gritava tudo isto

Se conseguires usar-me de exemplo para mim mesmo,
Sagrado para mim tú serás!

E enfim,
O meu fim trará,
Fará-me um seguidor teu. Finalmente de novo!

Criarei meu santuário,
Pregarei meu símbolo na cruz,
E condenarei-me a agradecer-lhe o tempo inteiro 

Pelo resto dos meus dias temerosos...

25.2.13

Soltamente

I.

Aqueles dias quentes sem refresco já incomodava.
A roupa colada no corpo, 
A cabeça ansiosa para antecipar o destino, 
O corpo caminhando abringando-se nas sombras.

Que calor era aquele que implorava por noite?
Qual a temperatura, que uma vez atingida,  fazia-o esquecer-se dos conflitos,
anuvia-lhe os planos, confundia-lhe as certezas, deixava-o mole? 
Nas ideias, apenas devaneios sobre alívios-corpóreos-imediatos.

Geleiras... estão quão distantes daqui?

Do Sol vinha, sentia vir, 
uma energia carregada de vigor que abriam os poros, 
uma intensidade que afogava o corpo com a própria água. Banhava-nos de nós mesmos.

Os rios; mares; águas; suores dos corpos;
Voavam as águas ao encontro do envolvente, ardente e atraente astro.

No alto o encontro pluvial. Chocavam-se sem impacto. 
Flutuavam discretas e invísiveis. 
Seu vapor pintava a tarde com uma única cor: 
Cinza-sereno

Profecia óbvia;
Já exausta de calor-lançado, despejou com ira a água absorvida,
devolvendo o que não lhe cabia mais. Chuva. 
Chora, ato quase triste pelo desapego. 

Levada pelos ventos. Permitiu por acalento desanuviar o céu.
Por detrás, risonhamente, ressurgia o astro. 

Naturalmente belo, somos natureza. Também
Contribuindo 
e recebendo semelhante parcela.


II.

O dia passa, mudam-se as cores.
Apresenta-se a noite manchando o dia com seu novo azul-claro-escurescendo

Noite clara, negra.
Por ali fica, horas-somada-de-horas que silenciam os corpos.
Com sua aúrea pesada, exige descanso.

Desta vez ele resistiu. Ficou a sós, mudo por respeito;
mudo para contemplá-la. 
Atento. Absorto. Distraído.

Do negro ao roxo. 
De súpeto: está roxo o céu?
De súbito?

Ressurgia o astro que paulatinamente manchava a noite, 
espreguiçando-se a cada raio de sol, 
o infindável ciclo degradê das cores.

Como criança espantada, encantada pela claridade, 
Ele reparava no brilho intenso que surgia, 
no velho astro que se erguia.

De suas retas sinuosas 
sentia a intensidade difusora.

Detendo a vista sobre o Sol, descansou o espírito. 
Por horas a olhá-lo, sem se desviar.

Alterou a mira dos olhos por incômodo,
por cansaço de testa franzida. 

Recebeu a força do clarão redondo.
Percebeu que mesmo sem olhá-lo 
Ali estava ele!

Encontrava-o em todos os lugares em que pairava a vista.
Até de olhos fechados, no escuro, enxergava-o.

Percebeu que o grande astro estava nele. Encrustrado em sua visão.
Era nítida a imagem do pequeno semblante, a redonda silhueta azul estava em tudo quanto era lugar.

A contemplação da grande estrela marcou-lhe a retina da memória.

O Sol se alongava pelo céu, 
sem cauda, sem rastros de seu movimento.

No topo, observando, amadurecendo, aquecendo. Irritava. 

A roupa colava no corpo, 
A cabeça ansiava para antecipar o destino.

Voltou para casa abringando-se nas sombras.

Começou um outro dia belo e sem refresco. Começou incomodado. 

18.2.13

Solo

Sementes caem
permeiam nosso solo cerebral
são engolidas pelo inconsciente
e absorvidas pelo inconsequente

Escolhemos as sementes que vão germinar?
Podemos selecionar? Ou de tudo nasce?
Do bom ao ruim,
Da peçonha ao inofensivo,
Do humano à arvore frutífera
 ?

Reféns de acontecimentos randômicos
Regemos as nossas vontades
Regamos nossa terra com uma otimista expectativa pré-existente.

Coragem cega que atrai.
Atraídos feito um caule instintivo procurando suco em seus sulcos.

Atraídos,
procuramos alma em nossas vidas.

Somos maestros de poucas notas.
Somamos o conjunto 
para compormos a sinfonia.

Estamos prontos para germinar qualquer semente

Somos aptos para originar qualquer semente

Somos úmidos, amplos
terrenos férteis.

Pele morena feito barro, 
olhos negros como a volúpia da noite.

A comunicação muda dos cheiros.
Dispersadas pelo ar
Sentidas pelo mundo.

Nossas histórias acontecendo em simultâneo.

4.2.13

Crônica - Cansou de Descanso

Cantarolando uma velha canção regional,
Balbuciando qualquer sílaba que se encaixasse naquele velho ritmo country

Saiu animado de casa

Desceu lentamente os degraus da parte de fora

Avistava a rua, ninguém nela.

Sem olhar pra baixo, descia primeiro o pé direito

E com pose de que fazia grande esforço

Levava o pé esquerdo ao encontro do outro

Descia assim, sem pressa de destino

Uma calma quase agonizante

Namorava a rua deserta. 

Nela chegou.

Fechou o portão sem ansiedade

Fitou os dois lados da rua

e virou para o que lhe parecia mais ermo

Ao se distanciar um pouco da casa, parou assustado consigo mesmo

Na frente duas crianças, de uns 12 ou 15 anos,

desciam a ladeira que se apresentava no final da rua.

Uma passou tão rapidamente que ele mal identificou o vulto

Uma voz de moleque gritava eufórica – Vou te alcançar seu peste!

E passou a segunda criança ainda mais rápido. Ambos riam, pode perceber.

Assustou-se porque percebeu um sorriso que amanhecia em suas entranhas

Aquela cena rápida passou-lhe pela vista como um dejá-vu

Voltou com passos rápidos para casa. Estava eufórico, feito uma criança de bicicleta...

Abriu o portão e deixou-o aberto, sem manquitolar apressou-se.

Passou pelo jardim como um foguete, deu a volta na casa

e entrou no porão feito um embrião.

Lá estava sua bicicleta, velha, tingida pela ferrugem. 

Seria possível consertá-la? Botá-la na ladeira e sorrir contra o vento? 

Seu desejo era tentar, ao menos tentar...

Tirou a bicicleta do canto sujo, pegou uma cadeira para alcançar um pano encima de uma das prateleiras.Lá estava outra surpresa... Outra interrupção dos segundos socou-lhe o estômago

Ressurgiu a sua frente uma pilha de lembranças 

Que sempre estivera ali, 

aguardando sua vontade de revivê-las, de revê-las.

  

Sentou-se na cadeira.

  

Uma camada de pó camuflava a sobra material de sua infância

Velhas revistas em quadrinhos 

Empoeiradas, mas conservadas pelos pláticos que as embrulhou muitos anos atrás

  

Uma sensação de felicidade o contagiou ao recuperar aquelas páginas 

Pensamentos e sensações voltavam-lhe à memória 

Molharam-lhe os cílios, mas não chorou

Esfregou a anti-palma das mãos contra os olhos e enxugou-os

  

Parou feliz e levantou a vista 

Percebeu sobre a prateleira do lado uma velha caixa em que guardava fotos de uma vida 

Aliás - de uma não - de várias vidas. 

Retirou sem cuidado alguns objetos de cima da caixa e colocou-a sobre o colo

  

Transpirou sua vida quase esquecida 

Não tinha o hábito de revisitar-se por meio de fotos 

Confiava sua vida quase integralmente à memória (que já falhava há um tempo) 

Quando lembrava das tardes vividas ao lado de sua família 

Vinha imediatamente um grande céu azul sobre sua cabeça 

Algumas falas sonoras, lembrava-se da voz de algumas pessoas, do sorriso 

De pequenos trechos de conversas que deviam ter durado horas

Recordava-se de alguns móveis, 

de pessoas sentadas em alguns cantos de memória 

E embora não se lembrasse de quase nenhum flash fotográfico, 

de quase nenhum momento em que se antepôs a uma câmera 

Encontrou fotos guardadas ali: 

Seus irmãos, pais – todos novos! 

amigos em festas de comemorar sabe-se lá o quê 

alguns estranhos registrados ao fundo - que se lembrava vagamente de ter visto

fotos desfocadas, imagens cobertas por polegares distraídos, 

fotos tiradas de surpresa – tinha ares mais naturais, menos guardem-me-para-a-posteridade 

Encontrou uma foto muito antiga de um cachorro que tivera quando criança 

todo preto com manchas brancas nas patas, vira-lata. 

Com olhar absorto fixou-se no cachorro, de súbito 

lembrou-se de um outro bixo que tivera – por que raios desejara ter domínio sobre outros animais? 

Um pequeno esquilo que a mãe lhe dera junto com uma gaiola, 

todo dia visitava o bichinho até que este adoeceu e faleceu. – sentiu-se minimamente culpado por esta morte 

mas pensou que ao longo dos anos a memória o havia absolvido, pois nunca mais lembrara desta vida que passou pela própria 

Guardou a foto na caixa.

O que o levara até o porão? Não se lembrava mais... 

Não possuía o hábito de reviver a própria vida,

de lembrar do que acabara,

do que havia acabado mas continuava em seu peito.

Ainda sentado movia os olhos emocionados

Estava tudo ali, tudo!

Suas memórias materializadas em cada canto em que batia a vista

Viu quadros que gostava

Embora não tivessem espaço do lado habitado da casa,

Achou um violão descascado e sem cordas apoiado na parede.

Nele havia feito algumas canções, julgou-as belas por um tempo

Registrara em notas-ralas e letras mal-elaboradas os amores mal sucedidos

Músicas ruins para bons amores, boas sensações...

Percebeu que havia mais da sua vida encostada num canto empoeirado

Do que na sala limpa e organizada em que passava suas recentes tardes

Lá embaixo, com seus antigos pertences

Percebeu que sua vida havia mudado,mas que ele era o mesmo

Mudanças chegam, e ficam

E as vezes param de mudar por exigência da vida

Mas ele continuava com sua jovem necessidade de sentir o novo

Controlou-a durante anos, abstendo-se.

Sentiu uma rotineira vontade de arrumar tudo o que tirara do lugar

De organizar as caixas, reencostar a cadeira, manter a ordem.

Mas não o fez.

Relembrou uma velha canção country

Que lembrava muito um ritmo regional

E cantarolou em voz berrante

Saiu do porão, tirou os sapatos

E correu descalço sobre a grama molhada do jardim

Sentia-se novo novamente,

Sentia-se ele como não sentira em anos

A vida rebatia em seu peito

Percebeu que era preciso guardar novas memórias

Porque as antigas

Já estavam empoeiradas.

FIM