17.4.13

Artista

Um rapaz doido. Quase normal (se não fossem os últimos dias). Fazia pouco tempo que havia adquirido a loucura. Por isso ainda era quase doido (ou quase normal).

Adequava-se ao meio-fio capengo, andava com equilíbrio ébrio.
Não se importava para o lado que tombaria,
não se importava nem com a continuidade de seus passo sobre o meio-fio. 
Mas cairia,
sobre a loucura ou sobre os pés da normalidade.

Andava; Maneja o corpo contra o vento; Mantinha-se vivamente indeciso.

Formulava frases subjuntivas.

Se caísse para a doidice viveria diariamente o não aceitar da vida,
julgaria a normalidade insana
e seria julgado insano
por julgar insano o que todos afirmam ser normal.

Caiu.
A falta de equilibrio não permitiu o adiamento da queda.
Caiu e deitado permaneceu.
Mergulhou para o lado da loucura. Afundou. Aprofundou-se em seus pensamentos. Todos insanos. Saudavelmente insanos.

Voltou pra casa, despejou o pote de açucar na privada e deu descarga para adoçar os encanamentos. Abriu as portas do guarda-roupa e procurou o que não havia. Encontrou.

Foi ao encontro da parede e abraçou-a sem unir as mãos. Sentiu o abraço gelado, retríbuido.
Ferveu água e botou-a no freezer para calcular o tempo até o congelamento.

Sentou-se agitado,
assou o nariz na barra da calça jeans que usava e despiu-se das roupas, da vergonha.
Ligou a TV e transou com um programa de fofocas, gozou na cara da apresentadora e gargalhou.
Sentiu nojo dela, das notícias quase necessárias. Assim como ele, quase necessário.

Jogou a TV no chão e apalaudiu o curto espetáculo das faíscas. Dançou sobre os cacos de vidro e, com um deles, rasgou uma das mãos. Tingiu as paredes do quarto com o desenho de suas palmas.

Plantou bananeira; Chorou desconsolado; Deu cambalhotas no sofá; Regou as plantas da vizinha; Mijou no retrovisor d'um carro importado estacionado em sua rua;
Chamou a atenção.

Voltou, pegou o violão e compôs a música mais bela que ouvira nos últimos cem anos.
Sorriu completo. Estava batizado.
Sentiu-se um artista. Tornou-se um...

3.4.13

Dança do tempo

O tempo passa de maneiras diferentes.

Cada dia demonstra ter um andamento, um poema contido.
Parece haver variados estilos musicais que permeiam o dia.

Da valsa ao punk, oscilamos. Do soul à rockabilly, dançamos.
Pelas diversas nuances de sinfonia, sentimos-nos discretamente influenciados.

Dou sinais que repito o velho ditado: “dançar conforme a música”. Mas a percepção pode ser diferente. 

Nem sempre sabemos os passos da próxima dança. 


Guio-me instintivamente pelo ritmo;
as pernas frouxas tentam bater os pés conforme o andamento.
Tento não cair, aprender depressa.

Examino os hábeis dançarinos 

como se a observação pudesse ensinar-me algo. Todos eles, por cansaço ou falha na destreza, 
esfolaram-se por quedas causadas pelas danças anteriores. 

Mas parecem-me, agora, animados
por terem conseguido esquecer-se das quedas 

que ainda hoje sofro.

Aproveito ambos os tempos e contratempos que o Tempo me obriga.
Aproveito-os porque os aceito. Pois aproveitar pode ser apenas
utilizar-se da situação
por falta de oposição ou de opção.

Aproveitar / dançar conforme a música, nem sempre significa tirar proveito.
As vezes não me incomodo em ser aquele garoto tímido apoiado na parede enquanto rola o baile da escola.

Eis um desejo que gostaria que se realizasse! :
(um desejo insano e improvável)

A pausa do tempo.(No tempo)

Pausa sabática. Tempo estagnado para uma longa meditação.
Uma interrupção que mantivesse minha idade, conservasse minha saúde já gasta
e alterasse apenas minhas certezas e ideologias.

Refletiria sobre o que sou, 
sobre o que são os outros,

sobre o que somos quando juntos,
sobre mudanças e negligências, abandonos e permanências.
Talvez deixar de contar com algumas esperanças.
Aprender a ser, na medida certa, receptivo com a realidade, 

mais verossímil com meus devaneios
e, talvez, não cobrar tanto da vida. Talvez.

Tiraria conclusões e seguiria adiante mais confiante.
Alcançando uma maturidade velha quando a interrupção terminasse.

Não precisaria tornar-me velho para descobrir
o que deveria ter feito enquanto novo,
enquanto hoje.

Mas o tempo não permite tal privilégio.
Ele se estica e arrasta-me puxando pela perna. Não quero ir, mas vou.

Ele é forte, imenso, ininterrupto, intolerante e imaginário.
E eu... Eu fico
e passo
ao passo em que perco a contagem dos meus segundos. Fico e vou.