24.9.12

Peças

I.
Somos feitos ocos
E nos preenchemos
Quantas vidas nos cabem?
Dessas tantas, quantas carregamos?

Aventurar-se em sentimentos paralelos

Oferecer-se por inteiro,
Sendo absorvido como fração.

Dá-se e recebe-se de súpeto
E ao percebermos que também absorvemos
Declaramos não sermos suficientes

Uma única vida não nos preenche por completo

Por isso há crise nos casamentos


II.
Interpretando juntos
As criações já não soam falsas

Compartilhamos um sentimento dissimulado.
E por mais ínfimo que seja o sentimento

Transforma-se em infinito ao ocupar-nos com tal invenção


III.
A cena, em si, é inexata
Há cena em que, por simulações de realidade
Acena por plenitude

Devemos fingir sentir?
Ou sentir ao ponto de evitar se entregar ao que se sente?

Conseguimos nos esvaziar? Por completo?

Expulse todos os inquilinos
Ponha pra fora inclusive a si mesmo e peça rudemente que encoste a porta ao sair

Meu corpo uma vez sozinho
Apressa-se para tomar forma


Buscar o abandono terreno
Esquecendo o contexto das vidas que caminham diante dos olhos

Abstenha-se
Desejando a atenção dos que nos observam


IV.
Em cena ou fora dela, somos todos nossas criações?


Por vezes:

Exercitamos a paciência,
Enquanto o nosso original desejava o degolamento

Praticamos o moroso beijo amoroso
Enquanto nosso primitivo ordenava-nos: Carne! Boca! Carne!

Reprimimos idéias
Enquanto gostaríamos de sentir a repercussão do incontido

  

A mistura do real e do imaginário resulta num terceiro elemento:
Vida!


V. 
Amores, famílias, governos, religões:
Terceiros nos modelam

A pressão incidida
Alimenta a manutenção da ordem
Advertindo-nos quando beiramos o desbúndio às leis não naturais

Até quando aceitaremos o progresso vinculado à ordem?

Andar a procura do desbloqueio mental

Ir atrás da possibilidade de desarranjarmos
Toda a estrutura social que nos suporta
E que nos é costumeiramente insuportável

Desfazer-se dos valores no qual seguimos
Desvinculando-se do espaço-tempo

Abstrair-se do instante no qual vivemos em simultâneo
Dedicando-se temporariamente ao desfalecer da vida cotidiana

17.9.12

Apanhar


Foi na presença do novo
Que percebi estar velho

Somente à frente do meu oposto
É que me contrative

Contrai
Enquanto alguns expandiam

Contrai
Enquanto outros expeliram

Deparar-me com o contrário
Leva-me próximo do agonizar
Mas soa-me preciso antagonizar

A depreciação espera-te; Confiante.
Mas não sentir-se semelhante
Por vezes

Pode trazer alívio

3.9.12

Destino

Como é bom fugir sem pretensões de se encontrar
Fugir da discórdia e daquele que concorda
Sumir do mundo que se conhece.
Partir rumo ao desconhecido, ao inédito

Conhecer paisagens pela primeira vez é empolgante
Sinto-me um apaixonado sem reflexões sobre o sentimento.
Observar lugares e pessoas como novidades me atrai

Há dias em que enxergo tudo como se fosse a última vez
Há outros em que percebo feito um recém-nascido

Ir até o acaso
Encher o tanque e parar apenas quando estiver vazio
Distanciando daquilo que não mais preenche

Sei que ainda há espaço em mim
O meio é que se esgotou

Pauso no momento em que sinto vontade
Estaciono e desloco-me

Pairo sobre a grama, paro em frente ao lago
O sol franze minha testa
Recosto-me na sombra da árvore
A grama verde me acolhe como colo de mãe
O som das águas me umedece a alma

Colhendo apenas o que necessito
Diminuindo a importância dos meus desejos

Tiro o excesso de roupa
Abro um vinho e um livro
Degusto com cautela; folheio sem pressa.

Liberto-me do tempo
Quando percebo que o passar das horas já não me aflige

Sou novo outra vez