Somos feitos ocos
E nos preenchemos
Quantas vidas nos cabem?Dessas tantas, quantas carregamos?
Aventurar-se em sentimentos paralelos
Oferecer-se por inteiro,
Sendo absorvido como fração.
Dá-se e recebe-se de súpeto
E ao percebermos que também absorvemos
Declaramos não sermos suficientesE ao percebermos que também absorvemos
Uma única vida não nos preenche por completo
Por isso há crise nos casamentos
II.
Interpretando juntos
As criações já não soam falsas
Compartilhamos um sentimento dissimulado.
E por mais ínfimo que seja o sentimento
Transforma-se em infinito ao ocupar-nos com tal invenção
III.
A cena, em si, é inexata
Há cena em que, por simulações de realidadeAcena por plenitude
Devemos fingir sentir?
Ou sentir ao ponto de evitar se entregar ao que se sente?Conseguimos nos esvaziar? Por completo?
Expulse todos os inquilinos
Ponha pra fora inclusive a si mesmo e peça rudemente que encoste a porta ao sair
Meu corpo uma vez sozinho
Apressa-se para tomar forma
Buscar o abandono terreno
Esquecendo o contexto das vidas que caminham diante dos olhos
Abstenha-se
Desejando a atenção dos que nos observamIV.
Em cena ou fora dela, somos todos nossas criações?
Por vezes:
Exercitamos a paciência,
Enquanto o nosso original desejava o degolamento
Praticamos o moroso beijo amoroso
Enquanto nosso primitivo ordenava-nos: Carne! Boca! Carne!
Reprimimos idéias
Enquanto gostaríamos de sentir a repercussão do incontido
A mistura do real e do imaginário resulta num terceiro elemento:
Vida!
Amores, famílias, governos, religões:
Terceiros nos modelam
A pressão incidida
Alimenta a manutenção da ordemAdvertindo-nos quando beiramos o desbúndio às leis não naturais
Até quando aceitaremos o progresso vinculado à ordem?
Andar a procura do desbloqueio mental
Ir atrás da possibilidade de desarranjarmos
Toda a estrutura social que nos suporta
E que nos é costumeiramente insuportável
Desfazer-se dos valores no qual seguimos
Desvinculando-se do espaço-tempo
Abstrair-se do instante no qual vivemos em simultâneo
Dedicando-se temporariamente ao desfalecer da vida cotidiana