30.1.12

O Concreto e SAMPA CiTi

O que dizer do chão?
Dos pisos que tanto piso e observo?
Indigno e Indiagonado seguem os meus olhares.
Olhos que miram os pés
Olhos que lembram de outros olhos.


O chão: pernas; calçados; calçadas; cardaços.


                                                A cidade: paralela e transversal.                Faixa de pedestre.


Os olhos: fixos, atentos. Absortos.


Enquanto as sujidades repelem o ideal
Tolero que as lacunas não se preencham por completo
Não se faz mais necessário
O ideal existe, mas não é possível


Solto, na cidade, sou mais um
Sinto-me um alvo
             Embora eu possa oferecer riscos como qualquer outro
Onde os grupos se intercalam?
Onde a loucura é aceita?
Onde não há verdade única.
Onde a cidade ainda não está feita.


Não me importam as verdades ditas,
Nem o quanto de verdade contém nelas
Não me importo que me enganem.
De certo modo, permito.

Pois viver
pode ser
apenas
Perceber as sensações

22.1.12

Chuva (de verão)

Lentamente. Os sorrisos resistiam.
A chuva se pronunciava;
Exalava cheiro de asfalto molhado.
A chuva rala perfumava.

Seu som de queda; Constante
Era música para os surdos de ruído

Tocavam o chão
Tocavam como vassouras jazzísticas

Umedeciam meus melhores pensamentos
E arrastava-os feito uma enxurrada

Os pensamentos mais antigos
Que, por privilégios por tempo de serviço,
Permaneceram fixos e inabaláveis,
Haviam se transformado em amores, religião ou ideologias.

Serei eu o que sempre sobra após as enxurradas?

A chuva é simples.
Não comporta tamanha complexidade e estudo.
Dicotômica e indiferente.
Divide apenas por secos ou molhados.

Iguala e faz-me desimportante:
Minhas dores não são as maiores do mundo.
Embora somente eu as valorize desta maneira.

O que se aloja em minhas ideias torna-se meu 
E de imensurável importância para mim.
Alocam-se em meu organismo:
Onde chuvas não alcançam
E enxurradas não arrastam.

16.1.12

Lacuna


Lembro-me do tempo em que eu não levantava tantas questões. Crianças não se situam no universo. Não havia necessidade de tantas respostas e nem lacunas para serem preenchidas. Éramos somente eu e meu imaginário talento para a arquitetura.

Eu era excelente na arte de projetar formas. Divertia-me criando edifícios em lugares inalcançáveis. Está ai coisa que adoro: Alcançar esses lugares.

Certa vez, em um dos vários terrenos que arredoavam a pequena vila em que eu morava, descobri uma enorme árvore. Era imensa. Nem 100 homens juntos poderiam abraça-la.

No mesmo dia em que a conheci escalei-a e fiz dela uma nova casa. Não precisei de muitas madeiras ou pregoadas, apenas investi muita imaginação. Criei estantes em seus galhos menores e fiz cama dos maiores. Nos galhos em que sempre havia sombra localizei a minha vista secreta. Por que crianças adoram nomeações secretas? De lá pude avistar piratas, cavaleiros do rei Trouxo, bruxas voadoras e diversos outros inimigos.


Imediatamente corri até em casa para fazer as malas para a minha mudança. Não precisei de muitas coisas: apenas alguns objetos, uma bola de futebol e cartas e desenhos que recebera de Ana.


Tenho saudades do tempo em que Ana e meus outros amigos tinham para mim igual valor. Enquanto não dava atenção para desconfortos da alma, simplesmente por que eu ainda não os tinha, brincava com todos sem nenhuma preferência de companhia, embora fossem as cartas e desenhos de Ana as únicas que eu ainda guardava.


Decorei minha nova casa colando todos os desenhos em galhos e folhas, que para mim eram paredes; coloridas; e que mudavam de cor assim que eu quisesse. 

Camuflava-me. Chamava a atenção. Mas quando Ana estava por perto mudava rapidamente a cor para um tom de roxo escuro criando nela impressões maravilhosas: "Qual garoto tem paredes roxas em sua casa de árvore?" certamente pensava. Sempre achei que essa pergunta fosse intrigante demais para que uma garota resista e não se apaixone.


Mas foi justamente Ana quem me deu uma das maiores tristezas sofrida na infância. Assim que eu expliquei a ela que aquela seria minha nova casa e gentilmente a convidei para subir, foi imediatamente dizer aos meus pais que eu queria me mudar sem avisá-los. Tentei mentir, mas ela acusou-me de desentendido e dissimulado. Quem ensina palavras como essas para uma criança?


Quando anunciou a mudança aos meus pais, todos meus outros amigos estavam presentes e meu segredo arbóreo se desfez tão rápido que não pude evitar. Fui condenado a dividir a imensa árvore com todos, exceto com Ana que não conseguia subir sem arranhar-se inteira. Todos meus desenhos, feitos por ela, foram encontrados pelos cruéis invasores e então usados para sempre caçoarem de mim.


Adorava aqueles desenhos, mas passei a odiá-los. Tomei a decisão que qualquer criança sábia tomaria: Abandonei a arquitetura para que minha masculinidade nunca mais fosse afetada por romancear com menininhas idiotas.


Que saudade do tempo em que podia odiar tudo que vinha de Ana. Saudade do tempo em que tudo tinha a mesma valia para mim.
Pois hoje Ana causa tristezas maiores. Mas compará-la a essas memórias descritas ou a qualquer outra coisa que eu consiga me lembrar em dias futuros nunca servirão de parâmetro para o tamanho que ela me ocupou.
Sinto saudade do tempo que nunca vivi.

13.1.12

Caça

 - Corra! Corra! – dizia o ambiente às minhas pernas

Corria. Esfregava as mãos no rosto. Suava. Ofegava.
Barulhos silenciosos, eu e uma densa escuridão
Passos e vozes se aproximavam e por vezes ultrapassavam-me.
Estava cercado? Por que isto seria necessário para eles?

- ME DEIXEM! - Gritei

Os matos revelavam os deslocamentos
Mas o silêncio se fez e não suportei a surdez que ele causou
Era eu o necessitado agora
E coincidentemente por motivos que também desconhecia
Queria ouvir. Estava surdo de silêncio.

Aflição. Agir! Qualquer direção:
Corra! Corra! – alarmava o imprevisível às minhas pernas

O calor abafado que aquela imensidão de nada continha
Ditava os ritmos dos meus compassos
Mudava a direção. Os sentidos. Você consegue sentir o gosto de uma moeda de 1 Real?

As árvores omitiam algo e o algo desejava a minha consciência
Com a mesma intensidade que eu a desejo.
Em ilustrações cegas. Órfão de formas e cego de cores.
Percebi sombras no escuro.

Senti uma respiração em meu ombro.
Gélido. Imóvel. Suspenso.
Permaneço.

11.1.12

Mona

Deliciosas perguntas
Que ficaram entreabertas
Embora já estivesse tudo decidido.
Evitei compartilhar a desejada resposta.
Não quis abreviar nossas conversas.

Interrompia-se a contagem do tempo
Enquanto você falava e me olhava
E quando, vez por outra,
Decidia examinar-me com seus escuros olhos
Fazendo simples observações

Procurávamos discretamente
Demonstrar analogia
Embora fossem suas discórdias,
Seu jeito de me convencer que eu estava errado,
Que mais me impressionavam

A reclusão que pedi
E que aceitaste quase impaciente
Foi meu último recurso
Uma tola tentativa
De me aproximar da negação

Mas a resposta que já existe
Dispensará interlocutores.
Revelar-se-a de súpeto
Aquilo que nossos olhos
Não se esforçaram para esconder.

9.1.12

Pouso

Ofereceram-lhe um voo daqueles que não se oferecem com frequência. Não sabia – e nem teria como saber - a altura que esse voo alcançaria e nem se conseguiria retornar com pouso tranquilo, mas a mistura dos riscos e mistérios que envolviam esse voo causavam nele um diferente frisson.

Para ele era certo que os voos são somente para os pássaros, já acostumados ao convívio junto aos fortes e quentes ventos que sopram lá em cima. Adorava os pássaros, via neles admirável companhia e, por eles, não se atreveria a invadir espaço tão estranho e atraente, mas tal vista que o voo pretendia oferecer-lhe fazia o ponderar se voar também não seria coisa para os homens.

Aliás, qual homem recusaria a oportunidade de voar?

E depois da subida, qual seria a importância de se sentir um ser estranho entre os pássaros ou saber que o mais exaustante esforço nunca o faria um deles?  Mas o que realmente importava naquele momento?

Frios na barriga são importantes.

Tomar decisões é aventurar-se. Não existem vidas passadas para se fazer comparações e nem futuras para correções. Acertos e erros são resultados; apresentam-se apenas no fim.  Aventuras podem trazer receios e serem desgastantes, mas prometem sensações quase-inéditas e inesquecíveis.

Céu pleno; um azul sufocante, intenso e infinitamente extenso. Deitar-se e repousar sob os trópicos não parece ruim. Parece? 

4.1.12

Confissões de Gérson

Tem gente que é soberba. Tália é o nome dessa gente. Mulher esguicha, reta como a linha do horizonte. Tão comprida que a chamava de minha divisora de águas e ela adorava o carinhoso apelido sem desconfiar.

Com a personalidade mais forte que chá de cogumelo e tão boa quanto um chá de boldo, conduzia nossas discussões com notável facilidade, desnivelava a conversa sempre para o lado do que já foi dito, desprezando meus contra-argumentos. Não adiantava perseverar ou praticar esforço, pois ela sempre foi possuidora de ideias com raízes fortes.

Tália era única para mim. Antes dela eu já havia namorado diversas mulheres que insistam em ser o meu ponto fraco, mas tal virtude não fez delas um comparativo digno para com a grandeza que Tália começava a tomar em minha vida.

Tália. Mulher madura, dura com as palavras. Talhava suas ideias num molde de flecha.
Tália foi tornando-se um inferno durante a nossa relação. Certo dia chegou ao ponto de afirmar que meus olhos não eram tão claros quanto minha mãe dizia. Não cabe nem dizer aqui que se trata de um completo absurdo, já que Mamãe me observa há muito mais anos.

Numa outra ocasião fomos comprar sapatos novos e, por conta dela, sujeitei-me ao ridículo. Tália me envergonhou extremamente quando começou uma briga desproporcional com o som ambiente. Revelou-me a todos ao perguntar o porquê d´eu sempre procurar sapatos 40 se na verdade deveria calçar 33.

O problema é que minha amada era ótima na cama e isso compensava tudo. Quando demos a primeira boa trepada - depois de bons 2 anos de boas tentativas – eu percebi que ninguém havia sido como Tália; E nem poderia. Toda mulher tem suas artes na hora da transa e soube disso por ela. Eu enlouqueci quando, numa madrugada, descobri que o seu verdadeiro segredo era lavar-se antes de me acordar para o coito.

Mas eis que surge o irreversível: greve de sexo! Após uma brusca tentativa minha de inovar na transa, chutei-a violentamente no rosto quando busquei surpreendê-la movendo rapidamente minha perna na tentativa de repetir a posição do escorpião-alado que havia visto em uma dessas revistas que dão dicas para agradar o companheiro. Somente depois percebi que tal posição era utilizada pelos japoneses para abrirgar-se em caso de terremoto.

Tália ficou puta! E jurou que nunca mais daria pra mim. Caros, ali... perdi o chão.

Sem justificativas:
A vida é minha e interrompo _ela e no que nela estiver_ no momento em que eu bem entender!

Decidi abandoná-la - sem lhe dar satisfações - e voltar à antiga vida. Retomei meu antigo cargo na carreira pública. Devido ao acúmulo de experiência em meu antigo posto, sou agora o encarregado-mor do Rei Apitômulo: Passo minhas noites erguendo lampiões para aquecer e entreter suas raras mariposas-azuléias-reais.

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