21.1.13

Ensaio

Ao som de Djavan a tarde acontecia
E escurecia por maldade.

O decorrer do tempo fora tão delicioso
Que findar momentos como aqueles
Era para ele o maior pecado que se infligia à vida


Mas levantou-se
Como num ato heróico desvinculou-se de tudo que o prendia à cama 

Libertou-se da coberta, da preguiça, 
ignorou o frio que congelava seus cotovelos e joelhos e
retirou com enorme peso a mão leve que lhe envolvia o peito.

Com passos mudos saiu do quarto.

Já no banho, en-mornou-se.

Ainda no banho,
apoiando a cabeça contra a parede,
passou longo tempo com a água escorrendo da nuca às costas...
Quieto. Imóvel.
Meditando escondia-se do mundo.
Ninguém o perceberia daquela forma, ninguém o interpretaria.

Era preciso descobrir o que realmente se passava consigo, 
como um todo, desvendar-se cabalmente.
O que era capaz de fazer, de não fazer, de pedir, de aceitar, de omitir. 
Era preciso perceber algo.

Voltou e trocou-se no escuro.
Não queria despertar aquela bela criatura que dormia com jeito inofensivo,
com leveza de criança, com a respiração tranquila
Queria protegê-la de todo mal!
Poderia protegê-la dele mesmo?
Não seria necessário... já o contrário, não tinha certeza. 

Permaneceu sentado
com os olhos revezando-se entre o rosto que sonhava belo,
entre escorrer a vista sobre o corpo 
pairando sobre os pés descobertos. 



Virou-se de costas
E reconheceu um velho caderno que deixara aberto na noite passada.
Em sua frente páginas em branco.
Um universo inteiro para ser criado, imaginado, escrito.
Mas não tinha mais espaço para novas idéias
Sem perceber a obviedade do ato que iniciava
Ousou revelar-se por intermédio das palavras



Mas estava feliz
Queria mesmo se descobrir?
Saber que além de todo o bem que lhe impulsionava a alma, que a saciava, que a arrebatava,
havia também um desejo que a corroia, que por tanto fogo a fazia arder?

Tinha felicidade exacerbada batendo no peito
E sentia a distância da realidade a cada batimento



Questionar-se traria outra obviedade:
Um eterno sentimento belo, mas finito
Um finito que se expande, que avassala
que derruba postos, idéias, mitos, regras, costumes
que atropela pensamentos, impede que se revise a fala, que abdica da razão

Finito intenso, 
imenso
Mas cruel por ser finito


Um escrito abrupto, oculto e imerso em seu ser
escorria pelas mãos
Escrito ausente de conclusões que não supririam a necessidade do imediato

No escrito a via e cegava-se com anuência.

No escrito havia apenas o prolongamento da incerteza
Da beleza mística do incerto, a atração pelo desconhecido

Interrompeu as palavras aqui...

E chegara até aqui sem o sentimento sofrido que examinou
Sentindo-se vivo, feliz, agindo por reflexo


Não queria findar isso
Não queria findar-se

E nem findar este escrito


Fim!