11.10.12

Só tão

No sótão: lugar que abafa meus gritos
Na cama: cordas, ataduras que  me impedem
Eu amarrado em sua loucura
Único lugar que a mim reservara

Aprisionado contra a minha vontade
Com o manifesto proibido estava condenado ao aceite, ao açoite

Minha esperança desfaleceu
Ainda nos primeiros dias,
durante as primeiras punições

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Mirando o teto, reparo as nuancias de luminosidade
Uma cadeira vazia e um afastado pedaço do chão é tudo o que a minha vista alcança
Analisar as sombras é o único passatempo que usufruo
Enquanto espero o seu retorno

Abandonado, mas não esquecido
Permaneço imóvel, ignóbil, ansioso
Aguardando-te para o seu bel-prazer

Ouço-te chegando, abrindo a porta principal
Fazendo barulhos,caminhando pelo resto da casa
banhando-se, ajeitando-se
Tomando seu tempo sem pressa
Preparando-se para o meu suplício

Sabe que estou no mesmo lugar em que me deixou,
Enclausurado,
Por isso tens tamanha demora e cautela:
Recebe visitas, bebes vinho, conversas
Ama, desama, trepa e descansa

Ao despedir-se como boa anfitriã
Não tarda a subir as escadas para rever-me
A cada degrau, a cada passo seu que se aproxima
O universo se expande em meu estômago
O caos se instala
A aflição vem à superfície
O medo me submerge

Novamente consegue
Que todos meus pensamentos se foquem em você


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Vagarosamente se faz presente
Ajusta a vitrola e inicia seus métodos

Ao som de Joy Division
Estira os braços e pernas sem me encarar
Lentamente deixa se levar pela música
E com olhar sereno dança para mim

E, finalmente
Começa a prática das torturas
Reconhece meu corpo
E retira dele pequenos fragmentos

Ao ver o sangue se apresentar
É tomada por espasmos
Minha dor é a causa do seu orgasmo

O meu sofrimento entretém
E sei que, de certa forma, permito

Poderia exaurir as minhas forças tentando romper os laços que me contém
Mas não o faço
Pois já não sei mais se a minha subalterna situação
Servindo-lhe de escravo
É posição que me perturba ou que me preenche o dia


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As raras noites em que subira apenas para conversar
Não me saem da memória

Sentada ao pé da cama, narrava-me aventuras
Desilusões, dores de outro amor
Que também era capaz de fazer o bem

Que era eu a sua exceção
Insistia que deveria sentir-me especial por isso

Através de suas inseguranças e medos
justificativa o meu cárcere

Implorava perdão
pelas  injúrias passadas
da qual se arrependera em praticar

Jurava um amor incondicional
E provava seu sentimento
Exigindo minha exclusividade

Enquanto falava,
Pousava suas mãos em meu corpo
As diferentes gradações dos seus pensamentos
Ora afetuosos, ora encolerizados
Acompanhavam as manifestações das mãos
Que se revezavam
entre massagens e carícias,
beliscos e cravadas de unhas

Meus gemidos amordaçados
Surtiam-lhe um efeito contrário ao meu desejo de cessar a dor
Minha debilidade causava-lhe frisson

Após entreter-se comigo
Beijava-me inteiro
Encarava-me afavelmente por mais alguns segundos
e encostava a porta partindo rumo ao seus aposentos


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Certa noite notei
O afrouxamento das cordas que me reprimiam os pulsos
Soltei-me rapidamente
Num pulo ergui-me,
Estiquei o corpo que há muito não verticalizava
Silenciosamente escapei

Já na rua, senti-me desorientado
O mundo é demasiado grande quando se esta liberto

Parei num bar e pedi o que beber
Fiquei horas a me embriagar,
Refletindo
Encarando minhas feridas
Que em nada representavam as cicatrizes intrínsecas

Tenho a alma solta
Mas sou daqueles passarinhos que retornam à gaiola

Entendi
Que sua presença,
Por mais dor que me causasse,
Enxia-me o espírito com diferentes sensações
Queria rever-te,
Queria novamente correr perigo

Voltei ao sótão
E sozinho, atraquei-me

Mantive uma das mãos afrouxadas
De modo que, mais cedo ou mais tarde, notasse
Percebendo que a minha permanência, a pesar
E apesar de
tão só no sótão
Fazia-me bem
Pois nutria-me com toda a dependência na qual você me acostumara

Meu prazer
Sem eu perceber
Passou a ser
Por a minha vida em seu domínio


5 comentários:

  1. Bruno, os seus versos contam uma história. A poesia como veículo de um sentimento provocado por um conto, uma magia deixada ao leitor quando atinge a última linha...
    Muito belo!

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  2. Como será poder escapar um dia do "Dragão vermelho"

    Muito bom, li assistindo um filme!

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  3. Mt bom mesmo, cara. Aprisiona a atenção...

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O que vier de sua cabeça será bem-vindo....