19.10.12

Cubismo

- Então? O que me diz?
- Digo que a vida é simples.
- Como assim simples?
- Simples, cara. As complicações somos nós que inventamos.
- Apesar de todos os mistérios; todas as incertezas; você me diz com essa cara que a vida é simples?
- Eu acho ela simples. Simples e gostosa.
- Ninguém está falando de prazer. É óbvio que é gostosa. Só podemos sentir algo se estivermos vivos. Eu estou falando...
- Mas o ponto é esse! É simples e fácil sentir prazer. Basta desencanar...
- O que quero dizer é que há complicações na busca da felicidade. Dependemos de vários fatores externos, entende?! Dependemos de algumas permissões. Vários momentos são fortuitos. Somos consequências da sorte; do acaso...
- Você é muito pessimista! Não refletir muito a fundo sobre mim evita conhecer o meu avesso. Isso pode permitir a felicidade. . Continuou:
 - Você deveria viver a vida com o que ela lhe oferecer no momento.


- Sua momentânea alegria o faz parecer forte. Meus parabéns!
- Pare de ser dramático Fábio!
- Falo sério! E se a oferta da vida for realmente pouca?


- Se for pouca você transformará em tudo, pois o pouco é tudo o que você tem naquele momento.
- Mas continuará pouco. A lacuna continuará existindo...
- Depende do ponto de vista...
- Ponto de vista é o caralho! Lá vem você com essa porra de novo!
- Tudo é ponto de vista, meu caro.
- Talvez seja. Quer saber? No meu ponto de vista o Sr. só consegue se sentir efetivamente bem se estiver ao lado de quem não está bem. Por mera comparação, sente-se melhor.
- Você vai me deixar terminar de falar sobre o ponto de vista?
- Sabe qual é a merda que você não percebe?! Um ponto de vista é incompleto, insuficiente. Você não pode definir uma verdade embasado sobre o seu ponto de vista. E nem que consulte outros!


- Mas se outros concordam com a mesma coisa, pode ser que estejam certos. Certo?
- É certo que um idiota rodeado de outros idiotas torna-se normal por ter sua idiotice em harmonia com a idiotice do bando. É certo que não dá pra analisar a vida feito um quadro de Picasso. A vida não é plana. É preciso considerar o desconhecido.
- Você pára pra pensar sobre o que não conhece enquanto há coisas óbvias que passeiam embaixo do seu nariz e você não percebe. Diga-me: Isso não é complicar as coisas?
- Isso é tentar considerar o todo.
- Isso é impossível, meu caro.
- É por isso que desconfio das verdades. É por isso que condeno meus julgamentos. Não há um só pensamento absoluto que eu não suspeite.
- Você poderia acreditar mais e duvidar menos. Faria-lhe bem. Escute o que eu te falo amigo: Você caminha no sentido oposto à felicidade.
- Quem sabe, futuramente, eu não siga seus passos, hein? 
- Você encontrará e fará um caminho próprio. Assim também poderá ser feliz. Preciso ir embora. A gente se vê por ai...


E continuaram seus percursos.

Um percebeu que, apesar de não estar certo, não fora convencido pelos argumentos do amigo.
Não se deparar com a verdade única significava não poder se definir e, ao mesmo tempo, não desconsiderar a definição alheia.
O outro, pouco depois, trancou-se em casa para reprimir o choro, afligir-se em silêncio, para lamentar as próprias limitações às escondidas.

Ambos estavam tristes. Cada um à sua maneira.

6 comentários:

  1. Aceitar... só aceitar permite atenuar esse sentimento de impotência. Não podemos saber tudo, não podemos compreender tudo, não podemos amar tudo, não podemos viver tudo. Só a aceitação permite, se for honesta, caminhar rumo ao que todos procuramos e que tão poucos encontrarão!
    Gostei deste diálogo!

    ResponderExcluir
  2. A felicidade pode estar
    na coragem, no conforto
    no reflexo, no avesso
    mas principalmente
    no ponto de vista...

    Excelente Bruno!!!

    ResponderExcluir
  3. Quase perfeita a percepção sobre as possibilidades de verdades e desacertos a partir de um ponto vista totalmente bem intencionado, mas perceba que talvez entender facilmente uma obra do Picasso também pode ser um engano.
    Deixo a pergunta...
    O que é a verdade?
    Seria talvez a contemplação para uma possível felicidade?

    ResponderExcluir
  4. enquanto calibro minha balança de pesares

    ResponderExcluir
  5. "Definir a aparência real das coisas OU não definir" .

    Nem sempre as coisas são óbvias , depende de como se vê e mesmo assim poderão ser conflituosas . De repente eu falo A e você B , eu enxergo a cor azul e você os nuances do amarelo e verde . O assunto pode ser o mesmo , mas nem sempre as respostas são iguais .


    Muito bom o texto!

    ResponderExcluir
  6. (Ambos estavam tristes. Cada um à sua maneira).
    Brilhante Bruno! A conversa entre EGOS!

    ResponderExcluir

O que vier de sua cabeça será bem-vindo....