10.12.12

Na Beira dum Lago

Quero a liberdade dos pássaros
Quero que o mundo a sinta.

Os pássaros sabem voar, e o fazem com naturalidade
Repousam sobre as correntes quentes de ar, deixando-se levar

Experimentam observar a vida sobre os galhos das árvores
E ali ficam por um tempo que não se conta

Experimentam trocar de árvores
e com extrema sensibilidade percebem a diferença entre cada uma delas

Essa diferença é a beleza sentida por eles
A diferença entre tudo
É o que torna o Tudo belo. Misticamente belo.

Pássaros são sensíveis
Mas não possuem o domínio dos sentidos.
Pássaros são facilmente apaixonados. 
Uma paixão inteligível. Forte.
Sentida em quantidade e em simultâneo.

São apaixonados pelas diferentes sombras 
Amam os diferentes feixes de luz entrecortados pelas folhas,
Conseguem perceber os ventos que mudam de acordo com a altura
Reconhecem os variados tipos de madeira em que se agarram,
se são lisas, robustas ou descascadas pelo tempo.

O pássaro ama a vida, sem saber que ama.

Cantam para si e para ninguém.


Eu aqui sentado, à beira dum lago.

Com tanto mundo por ai.
Eu aqui sentado, a beira dum lago.

A mistura dos cantos, o silêncio das águas
Ouço minha respiração profunda e calma

Os pássaros são exuberantes,
Voam à minha frente

Com seu canto, parecem dizer:
“O mundo não é só este que te toca os pés,
O mundo é imenso e deve ser conhecido”

Eu aqui sentado,
Refletindo sobre as formas de viver
Sobre as formas de se privar da vida
E por estar aqui sentado, apenas pensando
Não sei se vivo, ou se apenas penso
Ou se penso que vivo

Mas por que me deu vontade de refletir sobre os pássaros?
Ora, sei lá. Pensamentos chegam sem aviso.

Pássaros são livres. 
Estou observando-os com estranha alegria
E neste tempo todo
Não pude identificar o limite que os prendem

Nós desejamos liberdade parecida, mas a tiramos.
Tiranos tiramos.

Quando encontramos algo belo, como os pássaros
Desejamos, com imenso egoísmo, aprisionar esta beleza
Vê-la todos os dias, senti-la todos os dias

Amamos possessivamente, 
Um desejo soberano, injusto e cruel

Queremos voar, mas também prender
Queremos voar, mas também ser preso

A beleza, ainda que engaiolada, permanecerá bela.

Mas não do ponto de vista de dentro da gaiola,
Onde se vê o mundo de fora idêntico ao que se vivia,
Onde se ouvem os pássaros com cantos eufóricos e livres
Onde se percebe as árvores, galhos e sombras.
Onde se enxerga a vida e encerra-se a própria.

A beleza está lá, intacta, presa.
Pássaros são condenados por terem nascidos belos.
Esta é a sua culpa. Nasceram belos e livres.

Privar algo belo apenas por querer garantir que esta beleza seja sua
É privar o mundo de conhecer algo 
que reconhecemos como belo
É privar esta beleza 
de conhecer outras belezas

Queremos ser únicos... E somos. Esta é a nossa maldição (ou salvação)
Pois queremos ser completos e completar

Ser único é ser limitado, pois não possuímos todas as qualidades procuradas

Existem lacunas 
que não precisam de um preenchimento pleno
Mas uma vida completa e recheada de todas as satisfações é algo tentador

Como exigir que um pássaro, belo, vivo, com um canto alegre
Reproduza tal canto e vivacidade num espaço limitado?

E nem que esse espaço aumente. O nosso limite deve ser o mundo.

Apesar da natural vontade (humana) tirana
De querer reter uma beleza
E querer ser retido;
Exercito uma contra-vontade.

Impor-se como único, é impor limites.
Limites são gaiolas que consomem vida

Exercito, mas não posso evitar-me.

Sou daqueles que possuem gaiola e gasto tempo ornamentando-a.
Mas não faço dela moradia forçada

Quero que minha gaiola não limite, deixo-a sempre aberta
Para que pássaros vejam o mundo de fora e não se sintam fora dele

Quero que minha gaiola nunca se feche,
E mesmo que as vezes eu finja que perdi a chave,
Deixo-a escancarada mais cedo ou mais tarde.

A beleza dos pássaros é a liberdade
Quero vê-los voando e pousando sempre

Sou contra a adição de gaiolas.
Sou a contradição.

6 comentários:

  1. Somos criados em cativeiro, não aprendemos sobreviver fora da gaiola, alguns aventuram-se fugir, poucos sobrevivem...

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  2. um pássaro que te ajuda a desvendar sua própria natureza voadora

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  3. Rodrigo alves De souza11 de dezembro de 2012 às 12:52

    Voo, levantar voo deve ser o momento sem igual para um pássaro, estar em queda e de repente utilizar as asas, e planar...
    Não temos asas mas levantamos voos, as vezes de encontro com gaiolas... mas são as quedas que nos leva a admiração de um pássaro. Será que só trocamos de prisão? Estamos preso... é fato. nossa consciência nos prende! O despercebido é o mais próximo da liberdade... é algo que a beira de um lago, talvez proporcione. É compreender que tem asas durante a queda.

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  4. Admirou-se o poeta com o voo dos pássaros,
    e então, deleitou-se na escrita
    para também voar.

    Estou a segui-lo.

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O que vier de sua cabeça será bem-vindo....